Por maioria, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram nesta quinta-feira, 6, o artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) como inconstitucional. Na prática, o artigo, agora sem validade, permitia ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estender o prazo de análise de patentes por até mais 10 anos, caso não conseguisse avaliar e aprovar de forma definitiva os pedidos dentro do prazo legal. Para o STF, a prática de estender o prazo de vigência das patentes devido à lentidão dos processos administrativos do INPI contraria a Constituição.

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Por enquanto, a decisão afeta somente produtos e processos farmacêuticos, como medicamentos, e materiais direcionados à área da saúde. Os ministros do STF devem voltar a discutir o tema na próxima quarta-feira, 12, quando vão julgar se a nulidade do artigo 40 passa a valer para patentes novas ou também abrangerá as que já foram expedidas e tiveram prazos estendidos. Outro ponto pendente no julgamento é se os efeitos são imediatos apenas a patentes concedidas na área da saúde ou se terão ampla abrangência na indústria nacional de diversos setores.

Como o artigo declarado inconstitucional afeta a saúde pública

Um dos efeitos colaterais do artigo 40 era a impossibilidade da indústria nacional produzir medicamentos mais baratos porque o período de exclusividade dos grandes laboratórios era extendido por até 30 anos, devido aos atrasos de análise do INPI. Além disso, o poder público tem gastos elevados, porque é obrigado a comprar remédios apenas de um único fabricante, sem abrir possibilidade de disputas de preço.

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O fato de até fórmulas com potencial de auxiliar no tratamento contra o coronavírus estar na lista de 70 medicamentos com prazo de exclusividade estendido ajudou a acelerar o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.529, movida pelo Ministério Público Federal em 2016.

Com a decisão, a tendência é de que fórmulas cujos registros de patentes estão prestes a expirar possam ser produzidas também por indústrias nacionais, na forma de genéricos e similares. Na lista de fórmulas impactadas (veja detalhes mais adiante), há também medicamentos contra câncer (que custa mais de R$ 100 mil), HIV e diabetes.

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O ministro Dias Toffoli, relator da ação no STF, chegou a expedir em 7 de abril uma liminar suspendendo temporariamente os efeitos do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial.

Na apresentação do voto no julgamento da ação, Toffoli considerou que a lei, ao tornar o prazo de vigência das patentes variável e indeterminado, fere os princípios da segurança jurídica, da eficiência da administração pública, da ordem econômica e do direito à saúde. 

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Com o artigo 40 da lei, o período de exclusividade de exploração da criação pelo inventor podia ultrapassar o prazo de 20 anos estabelecido na própria norma, chegando, em alguns casos, a somar 30 anos de proteção ao criador. 

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Concordaram com o relator e votaram pela inconstitucionalidade do artigo 40 os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Os únicos a discordarem do voto de Toffoli foram Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, pois ambos consideraram que o tema deveria ser discutido pelo Poder Legislativo.

Se decisão do STF suspender prazos já estendidos, novos remédios poderão ter preços até 35% mais baixos

Se a maioria dos ministros do STF decidir por derrubar os efeitos do artigo 40 inclusive para casos passados, o que será discutido na próxima quarta-feira, 12, a indústria nacional poderá produzir imediatamente as fórmulas, inclusive remédios que têm sido utilizados para o combate aos efeitos da covid-19.

Um dos casos é a Rivaroxabana, anticoagulante empregado no tratamento de recuperados da covid-19, que tem se sido eficaz para evitar que pacientes desenvolvam trombose. A patente do remédio venceu em 2020, mas no Brasil ela foi prorrogada até 2022. Se for derrubada a extensão, poderão ser fabricados genéricos desse remédio, que devem ser 35% mais baratos. A Rivaroxabana custa atualmente R$ 289 a caixa, e o genérico deverá ser vendido a no máximo R$ 187.

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Medicamentos indicados para outras doenças também estão na mira. O Apidra, insulina usada no tratamento de diabetes, custa R$ 116,29 e passaria a ser vendido por R$ 75,58 em sua fórmula genérica. E outras fórmulas caras, muitas das quais custeadas pelo SUS para tratamento de câncer, também sofreriam redução. É o caso do Adcyla, que custa R$ 10.674 a caixa e passaria para R$ 6.938 na versão genérica, e O Xalkori, vendido por R$ 39.596 e que poderia ser adquirido por R$ 25.773.

Consequências para produção de remédios mais baratos

Na avaliação de Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, o parágrafo 40 da lei das patentes permitia que, na prática, diante da impossibilidade de julgar os processos no prazo, o INPI prolongasse a vigência das patentes para além do esperado e do praticado em outros países.

Segundo ele, o impacto no setor farmacêutico é grande, por exemplo, porque impossibilita que uma fórmula de remédio de marca possa ser produzida na versão genérica por outros laboratórios.

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– Enquanto se tem esses medicamentos protegidos por patentes, é o detentor da patente que estabelece o preço. Então o governo tem que comprar de acordo com o preço que ele negocia com o detentor da patente. Mas não tem concorrentes. Quando a patente cai, começa a ter concorrência – defende Arcuri.

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Além disso, a insegurança jurídica atrapalha o planejamento do setor e gera prejuízos. As indústrias se programam pelo calendário da vigência das patentes a fim de se preparar para a produção de novas fórmulas tão logo a exclusividade deixe de vigorar. Mas corriqueiramente são surpreendidas pela extensão da proteção por mais alguns anos.

Veja abaixo a lista de medicamentos cujas patentes expiraram ou estavam prestes a expirar, mas que tiveram prazos prorrogados pelo Inpi

INPI argumenta que desde 2019 tem reduzido demanda

Conforme Toffoli descreve no texto da liminar expedida no mês passado, o INPI informou ao STF que os efeitos do artigo 40, de prorrogação dos prazos, seriam aplicados a praticamente todos os pedidos de patentes da indústria farmacêutica que seriam decididos pelo órgão neste ano.

O INPI é uma autarquia ligada à Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. O INPI afirmou ao Diário Catarinense, por meio de nota, que “como órgão do Executivo, apenas aplica o determinado em lei”. A autarquia argumentou que já tem feito esforços para diminuir os atrasos e a fila de pedidos em espera por análise, chamada no jargão de “backlog”.

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Desde 2019, foi implantando o Plano de Combate ao Backlog de Patentes, com objetivo de diminuir em dois anos a fila de espera por análises. Conforme a atualização mais recente das estatísticas do plano, há pouco mais de 66 mil pedidos de análise pendentes no INPI, dos quais 25,6 mil são da área química, 15 mil de engenharia mecânica, 12,3 mil de engenharia elétrica e 13 mil de instrumentos diversos e outros setores.

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Veja o que dizem André Tavares, presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e Newton Silveira, diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual:

Como funcionava a lei brasileira de patentes

No Brasil, o criador de uma invenção ou inovação tem direito exclusivo de explorar os lucros com o produto por até 20 anos, conforme a lei 9.279, de 1996, a Lei de Propriedade Industrial. Esse prazo começa a contar a partir da data de depósito no INPI, ou seja, do pedido oficial ao órgão para que examine a criação e o direito de propriedade temporária. A partir do pedido, o criador já conta com proteção legal da exclusividade, podendo processar um concorrente copie o produto sem consentimento, por exemplo.

O dispositivo que foi considerado inconstitucional pelo STF, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, autor da ADI 5.529, é o artigo 40 da lei. Caso a conclusão do processo administrativo do INPI demorasse mais de 10 anos, o prazo de vigência da patente era contado a partir da concessão do direito ao criador. Assim, o período de proteção podia ultrapassar o prazo de 20 anos estabelecido em lei, chegando, em alguns casos, a somar 30 anos de exploração desse direito.

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Conforme o MPF, na prática, com esse dispositivo legal, muitas patentes foram prorrogadas em função da demora do INPI em examinar os pedidos. A Procuradoria-Geral da República requeria na ADI 5.529 que esse trecho da lei fosse declarado inconstitucional. Mesmo assim, o inventor continuará tendo os direitos de exclusividade sobre a invenção preservados, mas o objetivo é que não haja mais o uso do prazo estendido apenas porque o processo administrativo não ocorreu no tempo devido.

É também o que defendem especialistas como André Ramos Tavares, professor de Direito da USP e Presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e Newton Silveira, diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (veja a entrevista completa com eles no vídeo acima).

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Segundo Newton Silveira, a conclusão da análise dos pedidos de patentes de medicamentos tem levado em torno de 13 anos no Brasil. E uma das razões alegadas pelo INPI para a extensão dos prazos é porque muitos fármacos dependem também do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

André Tavares complementa que os prazos são muito demorados em relação aos praticados em outros países, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, que podem conceder o registro definitivo entre um e três anos em muitos casos, ainda que nesses países haja muito mais pedidos de patente do que no Brasil, por conta da avançada industrialização.

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O especialista considera que o artigo 40 da lei das patentes é inconstitucional porque feria diversos direitos garantidos pela Constituição, como o de livre concorrência, por impedir, enquanto existe o direito à patente, que qualquer outro concorra com o inventor; a proteção ao consumidor, porque estender o prazo de exclusividade afeta a disputa de preços e não possibilita escolha ao comprador; e também afeta, segundo ele, o desenvolvimento do país, porque a Constituição afirma que é dever do Estado estimular a ciência e a tecnologia.