O salário-maternidade, benefício pago durante quatro meses a mulheres que tiveram filhos e mães ou pais adotantes, não deve ter incidência de contribuição previdenciária. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que esse recolhimento feito pelas empresas é inconstitucional, o que poderá resultar em mais uma enxurrada de ações pedindo a devolução dos valores pagos nos últimos cinco anos. O julgamento foi concluído na terça-feira (4).
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A União calcula que deixará de arrecadar R$ 1, 2 bilhão ao ano com o fim desse recolhimento, segundo o relatório de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020. Em cinco anos, a estimativa é de R$ 6 bilhões. Um recurso especial questionando a cobrança começou a ser analisado pela corte em novembro do ano passado. O caso tem repercussão geral e, por isso, o entendimento deverá ser aplicado a outras ações que discutem o tema. Pelo menos 6.900 processos aguardam esse julgamento.
Sete ministros consideraram, em julgamento virtual, inconstitucionais dois trechos da Lei 8.212, que trata do plano de custeio da seguridade social. Com isso, o salário-maternidade deixa de ser um salário de contribuição, que é o nome dado pelo INSS aos valores considerados no cálculo dos benefícios previdenciários. O tempo de afastamento de quem teve um filho, portanto, não entrará na conta da média salarial.
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O relator do recurso foi o ministro Roberto Barroso, para quem a existência da contribuição sobre o salário-maternidade cria uma discriminação à mulher no mercado de trabalho. Em seu voto, ele questionou de que forma uma empresa se comportaria ao poder escolher, para uma única vaga, um homem e uma mulher, ambos com mesmos currículo, idade e desempenho em processo seletivo.
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– Tendo em mente os custos acima e imaginando que ambos os candidatos desejam ter filhos a curto prazo, não é difícil responder à pergunta sobre quem seria selecionado para o emprego – afirmou Barroso.
A advogada Clarissa Machado, sócia da área tributária do Trench Rossi Watanabe, diz que a existência dessa contribuição não é um fator que, isoladamente, estimule a desigualdade de gênero nas empresas. Ela afirma, porém, que é necessário lembrar que o período em que há mais chances de uma mulher engravidar e ter filhos é aquele que coincide também com o auge de sua carreira.
– Quando a mulher sai de licença, o salário-maternidade não é um custo da empresa, mas ela continua pagando esse adicional sem ter a pessoa trabalhando. Com a decisão, essa situação fica equalizada – diz.
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O pagamento do salário-maternidade é feito pelas empresas, mas esses valores são revertidos em créditos, de modo que o empregador atua apenas como intermediador do benefício previdenciário.
Luiza Lacerda, sócia da área tributária do BMA Advogados, diz que somados os meses da licença, as empresas acabavam recolhendo valores próximos a um mês de salário da funcionária afastada.
– É um ônus ao empregador que é somado, ainda, aos demais custos de contratação de empregados substitutos para o período de afastamento, contribuindo claramente com a discriminação da mulher no mercado de trabalho.
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Para o advogado Breno Vasconcelos, do Mannrich Vasconcelos, que representou a CNSaúde (Confederação Nacional de Saúde) no processo, a decisão do STF encerra a discussão quanto a que tipo de pagamento era o salário-maternidade.
– O benefício previdenciário não é uma remuneração. O salário-maternidade, apesar do nome, é um benefício, não um salário – diz.
Além disso, o advogado afirma que a criação do salário-maternidade buscava justamente garantir que as mulheres pudessem seguir trabalhando depois de terem filhos, mas que a manutenção do pagamento da contribuição pelas empresas prejudicava esse entendimento.
– O benefício tem que continuar existindo, mas o custo disso precisa ser diluído na sociedade.
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A decisão do STF ainda precisa ser publicada para começar a valer, mas advogados avaliam que os processos sobrestados já deverão ter andamento antes mesmo de os trâmites técnicos serem concluídos.
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A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que representou a União na ação, poderá, por exemplo, apresentar embargos pedindo uma modulação. Isso porque a decisão desta terça poderá levar milhares de empresas a pedir a devolução dessas contribuições.
– Em questão tributária, a norma, quando inconstitucional, é considerada assim desde o seu nascimento e, por isso, todos poderão tentar recuperar esses valores dos últimos cinco anos. Para quem já contestou, deverá ser mais fácil – afirma Vasconcelos.
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Para Mariana Vito, sócia das áreas tributária e previdenciária do Trench Rossi Watanabe, a decisão do STF é positiva porque encerra 15 anos de discussões sobre o assunto e também indica como a corte deverá se posicionar.
Segundo a advogada, outras verbas pagas pelas empresas também estão sob análise quanto a serem remuneratórias ou indenizatórias – e esse enquadramento faz diferença pois sobre os últimos não há contribuição previdenciária.
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– Já existem decisões favoráveis no STJ [Superior Tribunal de de Justiça] quanto ao aviso prévio e o terço constitucional de férias, por exemplo, de que são verbas indenizatórias – diz.
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