“Eu olhava para ele e paralisava”. Este é o sentimento de uma jovem do Meio-Oeste de Santa Catarina após ser vítima de stalking. Ela é uma das 859 vítimas em SC, entre março e agosto, da prática que virou crime recentemente. É como se, a cada dia, cinco pessoas fossem perseguidas. Uma ação que, em casos graves, pode levar seus alvos à morte. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP/SC).
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A vítima revelou ao Diário Catarinense, em entrevista exclusiva, que o seu stalker chegou a ir em locais frequentados por ela e pela família:
— Com o passar do tempo, ele tentou várias vezes ir até a igreja, mesmo com o pastor aconselhando para ele não ir. Quando ia, todo mundo ficava nervoso e preocupado. Eu olhava para ele e paralisava. Esperava ele sair para ir para casa. Foi quando eu comecei a ter medo do que ele pudesse fazer.
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O pavor nas palavras dela é nítido. Ainda mais pelo final que essa história poderia ter. Isto porque o suspeito tentou matá-la a facadas em maio deste ano após meses de perseguição, mas não conseguiu. Ele foi preso e virou réu por stalking.
O stalking – ou perseguição – virou crime em 31 de março deste ano, após a sanção da Lei Nº 14.132. De acordo com o Código Penal, “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, pode gerar uma pena de seis meses a dois anos, além de multa.
— A partir do momento em que eu não quero ter contato com a pessoa, mas ela insiste e isso me causa o impacto, a conduta passa a ser configurada como stalking. Ou seja, se eu expresso um descontentamento, mas ela continua a me ameaçar ou a enviar mensagens, isso significa que ela está me perseguindo, e isso é crime — explica a coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e promotora de Justiça, Valéria Scarence.
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O perfil das vítimas em SC
De acordo com a especialista, as primeiras discussões sobre o crime de perseguição iniciaram em 1933, na Dinamarca. Mas a prática só começou a ganhar visibilidade na Europa, durante a década de 1990, após estudos que apontaram o perfil das vítimas: mulheres, em sua maioria, principalmente após o término de uma relação.
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O cenário é semelhante se traçar o perfil da vítima de perseguição em Santa Catarina. De acordo com a SSP, dos 859 casos, entre março e agosto, 716 eram mulheres, e 143, homens. O contexto em que cada crime foi praticado, no entanto, não foi divulgado.
— Há estudos que mostram que quando a perseguição acontece após o término [de um relacionamento], há cinco vezes mais risco de morte de uma mulher. Ou seja, além de configurar crime, também é um fator de risco para a vítima — explica Valéria.
Ao menos 132 municípios catarinenses já registraram caso de stalking até agosto deste ano, sendo que 65 deles – quase metade – tinham até 20 mil habitantes. Florianópolis lidera a lista, com 106 registros. Em seguida vêm São José (77 casos) e Blumenau (47). Já Joinville, cidade com o maior número de moradores no Estado, aparece em sétimo lugar, com 26.
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Em relação às regiões, a Grande Florianópolis é a que registrou o maior número de casos nos últimos meses: 234. Depois vêm o Sul, com 114 casos, e o Vale do Itajaí, com 105.
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Para o delegado Angelo Fragelli, que atua na 2ª Delegacia de Polícia de Itajaí e é professor na Academia da Polícia Civil, apesar da grande quantidade de casos, isso não significa que a Capital, por exemplo, é a que tem o maior número de vítimas por perseguição em Santa Catarina.
— Ocorre muitas vezes que as vítimas, em determinados lugares, se sentem mais confortáveis ou até mesmo seguras para denunciar os casos que em outros — salienta.
Até o momento, não há informações de mortes no Estado relacionadas ao crime de stalking.
Tipos de stalking
Dar flores em excesso, ir atrás da pessoa no trabalho ou ligar inúmeras vezes são só alguns sinais de que a pessoa é um stalker. Isso, por vezes, é confundido como “coisa de namorado”, como explica a promotora Valéria Scarence.
— É um crime extremamente grave que até então era confundido com amor ou coisa de ex-namorado. No caso do stalker rejeitado, por exemplo, ele quer se fazer presente, dando aquela sensação de que a relação está viva e, com isso, a mulher não se liberta — argumenta.
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De acordo com a coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e promotora de justiça, Valéria Scarence, existem cinco tipos de stalker, que se diferenciam pelo motivo da perseguição.
- Staking rejeitado: o tipo mais comum, onde o suspeito pode ser um ex-parceiro da vítima após o término de um relacionamento;
- Stalking ressentido: quando a pessoa se sente injustiçada e humilhada, e acaba perseguindo a vítima como forma de vingança ou para validar a suas ideias;
- Stalking cortejador: é aquele que, por motivo de solidão, tenta buscar uma amizade ou um relacionamento;
- Stalking em busca de uma realidade: é aquele que cria uma fantasia e que imagina uma amizade ou um relacionamento que não existe;
- Stalking predador: é aquele que busca uma mulher, seja conhecida ou desconhecida, para cometer algum tipo de violência sexual.
Segundo delegado Angelo Fragelli, a forma como o suspeito se comporta é fundamental para identificar o crime. Por exemplo, se a pessoa termina um relacionamento e o ex-companheiro fica ligando várias vezes ou manda diversas mensagens, isso pode se enquadrar como stalking.
— Antes disso, essas condutas entravam como perturbação de sossego. Porém, quando elas causam angústia ou limitam o deslocamento [da pessoa], é considerada uma perseguição — complementa.
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Fragelli também lembra que é importante diferenciar o crime de stalking do termo “stalkear”, usado na internet quando pessoas vão atrás do perfil de outra para saber mais sobre ela.
— O simples fato de a pessoa stalkear a outra na internet, olhar quem eu estou seguindo, não é um crime. Para que a prática criminosa ocorra, esse stalker tem que ameaçar a integridade física ou psicológica de uma pessoa. Ou seja, se ele começa a me mandar direct, mesmo eu recusando as investidas, isso sim é preocupante — salienta.
Lei vem como amparo para a violência contra a mulher
Apesar de homens também serem vítimas de stalking, os números e estudos apontam que as mulheres são os principais alvos dos perseguidores. Por isso, para a promotora do MPSP, Valéria Scarence, o crime pode ser uma das formas de prevenir casos de violência contra a mulher e até de feminicídio.
— Se a lei existisse antes, muitas mulheres não teriam sido vítimas de crimes graves contra elas. Eu me recordo de casos em que elas [as vítimas] diziam que eram perseguidas pelos ex-namorados, mas não conseguiam registrar o boletim de ocorrência, porque a polícia dizia que isso era coisa de namorado. Agora, se tem o indiciamento e a investigação, isso já é suficiente para prevenir uma violência mais severa — pontua.
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O delegado da Polícia Civil de Itajaí, Angelo Fragelli, também vê como positiva a medida.
— Quando ele é autuado, é mais fácil de monitorar o perseguidor. Se não fosse isso, a polícia só saberia que ele estava mandando várias mensagens, por exemplo, se acontecesse algo mais grave — complementa.
Como prevenir o stalking?
Variar a rotina, evitar andar sozinha e tratar as ameaças como algo sério, são algumas das formas apontadas pela promotora Valéria Scarence como formas de evitar o stalking. Porém, mesmo com as medidas, é preciso ficar atento.
— Quanto mais estratégias de segurança, melhor para evitar casos assim. Mas, se estiver sendo perseguida, divulgue a foto do stalker, anote todos os atos de perseguição, junte todos os elementos e vá até uma delegacia fazer o boletim de ocorrência contra ele — alerta.
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