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(Foto: NSC Total)

Dava orgulho ver o tamanho da comitiva que representou Santa Catarina durante a edição de 2019 do SaaStr, o maior evento de software como serviço do mundo, no Vale do Silício. A participação foi em peso, a ponto de ser difícil contar o número exato de empreendedores do estado que formavam o grupo. Uma contagem, porém, era fácil de ser feita (mas não dava tanto orgulho assim): só tinha uma mulher, e era eu.

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A experiência era relevante para qualquer pessoa que atue com tecnologia: uma semana intensa de palestras, painéis, visitas, conexões e aprendizados, no berço mundial da inovação. Nos quase seis anos trabalhando na área, foi a primeira vez que pude imergir nesse mundo de forma tão completa e intensa; uma oportunidade única que me rendeu ideias, histórias e uma conclusão: ainda há muito o que se discutir sobre o espaço ocupado pelas mulheres na tecnologia.

Mais do que só o retrato de uma dominância comum no setor, a desproporção entre homens e mulheres no grupo catarinense coloca em evidência questões talvez pouco debatidas – ou talvez muito debatidas e pouco executadas. Pelos meus olhos, enquanto jornalista, brasileira e (única) mulher, o legado dos sete dias no Vale do Silício se volta para uma palavra só: diversidade. E a partir dela me deixa lições visíveis e aplicáveis em todas as escalas do ecossistema (não só) da tecnologia.

1- A empatia pode vir de qualquer lugar

Empatia, antes de mais nada, é um processo de conexão; um movimento comportamental em que alguém se coloca no lugar do outro e tenta entender seu modo de pensar e agir. Precisamos dela quando saímos do nosso mundinho e quando recebemos alguém diferente no nosso. Uma pessoa nova que acaba de ser contratada na empresa onde trabalhamos, um membro que passa a fazer parte da família, uma amizade que tem opiniões diferentes das nossas. Sem empatia, nossa tendência é rejeitar e excluir pessoas nessas situações, simplesmente por não pertencerem naturalmente àquele ambiente.

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Em circunstâncias em que o domínio de maiorias é gritante, a empatia é ainda mais necessária; apesar de mais rara.

82% do mercado de tecnologia é ocupado por homens. Entrar em uma empresa ou em um evento de TI é tentar se encaixar em um espaço quase totalmente masculino, com perfis muito parecidos de pessoas. Para uma mulher, participar desse ambiente se destacando por seus conhecimentos e habilidades é um desafio gigante.

Um dos motivos é a falta de empatia.

Tabela
(Foto: Reprodução)

No Vale, a sensação era diferente. Senti empatia na rua, quando ia trabalhar sozinha na cafeteria e as pessoas demonstravam uma simpatia gratuita (pouco normal para quem se acostumou com grandes cidades). Senti empatia nos eventos, que tentavam tornar mais fácil a vida de quem não dominava o idioma. Senti empatia nos próprios brasileiros instalados por lá, que se colocavam dispostos a ouvir e entender os meus desafios. O que mais me encantou, porém, foi a empatia dos empreendedores de vários países e em várias fases de maturidade e maturação, que receberam minhas ideias, por mais simples que fossem, com o mais alto nível de empolgação e interesse.

Empatia e diversidade parecem caminhar juntos no Vale, nos micro e macro espaços da tecnologia, desenvolvendo-se um ao outro e criando um ambiente de incentivo, oportunidade e colaboração.

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2 – É possível reduzir a desigualdade, se fizermos alguma coisa por isso

Em alguns casos, o argumento para investir na diversidade é puramente econômico: estudos mostram que a inclusão (de gênero e de raça) está diretamente relacionada ao lucro (empresas com mulheres na liderança, por exemplo, têm mais chance de ter resultados financeiros acima da média). Além do fator monetário, fica clara a necessidade de marketing e posicionamento que as empresas têm quando estão em um ambiente mais disruptivo. O meio da inovação tem exigido mais equidade nas empresas, o que impacta diretamente na reputação e, consequentemente, na lucratividade (olha ela aí de novo).

É triste, né? Mas, por um lado, a justificativa importa menos do que o potencial de mudança das iniciativas puxadas pelas empresas. O papel das empresas e dos grandes eventos na busca por um mercado e por um mundo com mais equidade é de extrema importância para que a mensagem chegue ao máximo possível de ouvidos e setores.

No SaaStr, houve um empenho escancarado para que os palcos e a plateia fossem mais ocupados por mulheres. Foram várias, em todas as trilhas, contando sua história, dando dicas, entrevistando. Sim, vão questionar, vão criticar, vão dizer que é injusto. Mas pensa no tanto que é difícil sair da nossa zona de conforto e mudar um hábito ao qual já nos acostumamos. É estranho no começo, e precisa sim de uma forcinha a mais. É mais ou menos assim com o mundo: há muito tempo esse espaço é dos homens. Fazer com que as mulheres conquistem uma parte dele é um movimento que exige estranheza e um empurrãozinho.

3 – A diversidade passa despercebida, quando ela deixa de ser um problema e se torna só normal

E se fossem 10, 20 mulheres, em vez de uma só? Alguém falaria: “nossa, quantas mulheres nesse grupo brasileiro!”? O equilíbrio costuma chamar menos atenção do que o desequilíbrio.Durante sete dias, a experiência de conviver com um grupo quase completamente masculino me fez ouvir frases de espanto de várias pessoas. “Só você de mulher?” “Não é difícil se impor diante de tantos homens?” “Como você conseguiu lidar com os assuntos masculinos?” “Se tivesse pelo menos mais uma mulher pra te fazer companhia…” Ser a única mulher fez chamar a atenção para um problema, como se ele fosse novo.

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O estranhamento causado nas tantas vezes em que alguém foi “a única” ou “a primeira” mostra um incômodo que é o começo de algo, e que vai continuar existindo enquanto houver maiorias exageradas e desequilibradas. O caminho pela equidade tem dessas coisas e exige mesmo um rompimento, que pode começar com uma para terminar em várias. É preciso falar sobre diversidade, até que chegue o momento em que o fato de ser mulher seja só um detalhe.

Muitas em uma só

Minha breve passagem pelo Vale do Silício me gerou mais perguntas do que respostas, mas deixou uma conclusão importante: ser a única não significa estar sozinha. O desequilíbrio amplifica a nossa voz e a empatia a multiplica. É um combustível e tanto para desenvolver a motivação e a autoconfiança que muitas vezes falta àqueles que não se encaixam.

Mérito,incentivo, oportunidade: “uma mulher só” abre espaço para uma enxurrada de debates. Começamos com três lições; terminamos quando não for mais possível contar.

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(Foto: TechPower)

*Christiana Lima, coordenadora de Marketing Digital na Dialetto e integrante da Tech Power.

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A Tech Power é uma iniciativa que busca ampliar a participação e liderança feminina no setor tecnológico da Grande Florianópolis por meio da comunicação. O projeto foi criado por mulheres que trabalham na Dialetto, empresa de assessoria de imprensa e marketing digital especializada em tecnologia. Saiba mais.