Sentada ao pé da mesa, com o olhar baixo e vestindo o avental do trabalho, dona Marlene Rosa, 50 anos, aguarda a chegada de clientes na sorveteria em que o filho dela, Rodrigo Rosa, foi morto aos 27 anos por um assaltante, no dia 19 de setembro, pouco antes de fechar o estabelecimento, no bairro Boa Vista. Parentes fazem companhia à ela para ajudar a espantar a tristeza e a solidão.
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Os outros filhos também procuram cuidar dos pais, que reabriram o comércio há duas semanas, pois é preciso tocar a vida. Dona Marlene não esconde a tristeza e relata a dificuldade que está sendo para ela e toda a família continuar trabalhando no lugar onde Rodrigo foi assassinado.
– É muito triste para uma mãe perder o filho nessa situação. Abalou toda a nossa estrutura. É algo que jamais vamos esquecer e estará para sempre presente em nossas vidas. A saudade é muito grande, meu marido está até com depressão – conta a mãe.
Ela relata que Rodrigo abriu o comércio para tirar o pai dele do serviço de pedreiro e auxiliar de alguma forma.
– Por isso, nós ficamos todos juntos dando apoio a ele, ajudando a tocar a sorveteria. Só estamos aqui ainda porque somos trabalhadores e precisamos. Mas não está sendo fácil – desabafa.
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A família sobrevive da sorveteria, tem contas a pagar e prometeu honrar o contrato de aluguel de pouco mais de dois anos que firmou com o proprietário do estabelecimento.
– Só estamos aqui para cumprir o contrato, porque senão já teríamos saído. Volta e meia pego o pai e a mãe chorando pelos cantos. É difícil continuar – contou o irmão da vítima, Alexandro Rosa, 32, com a voz embargada.
Para evitar um novo assalto, eles fecham o estabelecimento mais cedo e estão sempre acompanhados de mais pessoas da família. Novas câmeras também foram instaladas pelo dono do prédio para reforçar a segurança.
– Tem mais gente por perto, mas ainda assim não é mais a mesma coisa. Ficamos sempre com medo, pensando e lembrando do que aconteceu. Também temos medo de que possa acontecer com os outros – preocupa-se dona Marlene.
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Marcelo Garcia, dono do prédio onde fica a sorveteria, diz que, apesar de o número de crimes aparentemente ter diminuído desde o latrocínio, os comerciantes continuam com medo da violência.
– Eu sou comerciante há muito tempo, até estou acostumado. Mas o que aconteceu aqui foi uma fatalidade muito grande. Todos têm medo de ficar aí durante a noite – relatou o proprietário.
O dono do estabelecimento e os familiares acompanham a investigação da polícia e têm esperança de que o suspeito de matar Rodrigo seja encontrado.
– Espero muito que seja feita a justiça. Uma coisa dessa aí marcou todos aqui do bairro – conclui dona Marlene.
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A investigação
De acordo com Paulo Reis, delegado responsável pela investigação do caso, o suspeito já foi identificado e o mandado de prisão preventiva também já foi expedido pela Justiça.
O desafio agora é encontrar o suspeito que está foragido. A investigação apontou que o mesmo rapaz é responsável por outros assaltos na região.
Equipe que fez a cobertura do caso relata o dilema vivido pela família Rosa no dia do assassinato na sorveteria:

“Era pior do que imaginávamos”
Schirlei Alves, repórter
Naquela noite, eu e o fotógrafo Diorgenes Pandini estávamos encerrando o expediente quando chegou a informação de que havia acontecido um latrocínio em uma sorveteria no Boa Vista. Como o tempo era curto, combinamos que o trabalho seria rápido para que pudéssemos voltar em tempo para a redação. Porém, ao chegar ao
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local, percebemos que a situação era pior do que imaginávamos e a pressa ficou para trás.
Os paramédicos ainda tentavam reanimar Rodrigo, muito embora soubessem que não havia chances para ele, pois o tiro perfurou o peito. Mas toda a família estava ali, em volta da vítima, à espera de um milagre.
Eles praticamente presenciaram o crime, pois estavam na cozinha do comércio quando o assalto aconteceu. Os socorristas da Polícia Militar e do Samu fizeram tudo o que puderam. Ficaram cerca de meia hora tentando reanimá-lo. Incansáveis.
A dor daquela mãe ao receber a notícia da morte foi sentida por todos nós que estávamos ali trabalhando e certamente pelos curiosos também.
As agruras da profissão
Diorgenes Pandini, editor assistente de fotografia
Eram quase 22h30 quando fomos informados do latrocínio. No lado de fora do estabelecimento, moradores do bairro dividiam espaço com os carros da polícia e do Samu. Através da vitrine da sorveteria, a presença de socorristas e da polícia denunciavam o local onde a vítima estava, caída atrás do balcão. Da rua, os moradores tentavam entender o que estava acontecendo. A família andava apreensiva. O irmão, sentado em uma das cadeiras de plástico da sorveteria. Atônito. Parecia querer fugir da realidade. Parecia não querer pensar, não querer ver, não querer sentir. Parecia que não queria que a realidade fosse o que estava acontecendo.
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A mãe de Rodrigo era poupada e mantida na cozinha, local onde estava quando o filho recebeu os tiros. Ela não queria ser afastada. Tentou por várias vezes acompanhar de perto.
Até que o falecimento foi confirmado e eles a levaram para fora da sorveteria, na calçada, próximo de onde eu estava. Ela precisava de um ar, de se acalmar. Eu precisava fotografar, precisava registrar e trazer aos leitores o que estava acontecendo. Eu precisava mostrar essa dor, na esperança de que mais pessoas se sensibilizem e talvez, um dia, algo seja feito.
Mas não queria desrespeitar a mãe, nem a família. Fui para trás de algumas pessoas e fotografei a mãe do comerciante um pouco escondido, tentando ao máximo não deixá-la constrangida com o meu ato de fotografar.
A fotografia tem que existir nesses momentos, não apenas na função de registrar, mas de revoltar. Tem que mostrar para as pessoas, de forma simples e direta, a dor e o sofrimento que o crime pode causar àquelas famílias que vivem suas vidas normalmente. Essa foto foi trazida para o jornal e publicada na capa da edição que circulou em Joinville. Na imagem, a mãe chorando no primeiro plano e, ao fundo, a polícia, o Samu e o balcão.
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