As fotos do casamento da Daniele Martins mostram alegria, amor, descontração, mas não revelam a angústia e o estresse da família até poucas horas antes da cerimônia. Ela casou em agosto deste ano na cidade de Palermo, na Itália. Todo o planejamento da festa, que durou quase um ano, foi por água abaixo, quando ela descobriu que as passagens aéreas de seis convidados que sairiam do Brasil não foram emitidas.
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— Minha mãe deveria partir do Brasil no dia 18 de agosto, meu casamento era dia 31. Chegou o dia 18, ela e as amigas estavam prontas para embarcar, só que não existia bilhete, não tinha como fazer check-in, não tinha nada, era apenas uma reserva — relembra Daniele.
As passagens dos seis convidados foram compradas na Agência Boll Turismo, no bairro Ingleses, em Florianópolis, e faziam parte de uma promoção publicada na página da agência no Facebook no dia 29 de fevereiro de 2016. A postagem avisava que por se tratar de uma promoção, “a emissão do bilhete com a companhia aérea seria feita em até dez dias antes do embarque e que a agência poderia adiantar ou adiar em dois dias a data da viagem, além de poder trocar horário e companhia aérea desde que avisasse os clientes sobre as alterações até dez dias do embarque”. As informações são de Mayara Vieira, do Jornal do Almoço.
No caso de Daniele, as passagens nunca foram emitidas.
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— Eles ficam enrolando. Chega uma semana antes, você começa a perguntar da passagem, e nada. Três dias antes, nada. Até o último dia, nada. Então você fica naquela agonia — relata.
RELATOS PELO FACEBOOK

Dois primos de Daniele não foram ao casamento. O irmão chegou pouco antes da cerimônia começar, depois de comprar um bilhete aéreo em cima da hora. E Daniele não teve lua de mel, pois desembolsou 1,3 mil euros para comprar a passagem da mãe. O prejuízo total, segundo ela, chega a R$ 18 mil.
Indignada, Daniele publicou no Facebook tudo o que aconteceu. A publicação foi compartilhada mais de 450 vezes e logo começaram a surgir novos relatos. Um deles foi de Byron Cerda Palacios que em julho deste ano viajou com a família para a Europa. A viagem, que era para ser um presente de aniversário para a filha em comemoração aos 15 anos, foi definida por Byron como um presente desastroso. Eram seis passagens, três foram emitidas, as outras três, de parentes que sairiam da Colômbia, nunca foram confirmadas.
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— Os familiares que deveriam partir de Bogotá ficaram parados no aeroporto. Naquele desespero conseguiram novamente angariar recursos com outros familiares e eles tiveram que comprar novamente passagens no custo daquele dia, que já não era o valor que nós tínhamos pago. Entre isso e outras coisas que a gente perdeu, deu um prejuízo de aproximadamente R$ 18 mil — lamenta.
Sonho frustado pelo golpe
A suspeita de golpe não recai apenas sobre clientes que compraram passagens da promoção anunciada em fevereiro. A família de Carlos Felipe Rosito viajaria em julho de 2015 para a Itália.
— Era um sonho do meu pai. Os meus avós vieram da Itália e a gente gostaria de conhecer da onde eles vieram — conta.
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Mas um acidente envolvendo o pai de Carlos fez com que todos adiassem a viagem para este ano. Segundo Carlos, a proprietária da agência havia dito que não haveria multa para remarcar, apenas uma taxa, mas a viagem nunca aconteceu.
— Desde janeiro nós estamos querendo reservar as passagens, mas a dona da empresa diz que a malha aérea não estava aberta ainda, que só depois do Carnaval seria aberta. Então, depois tinha outra desculpa: a Páscoa. Até que chegou 15 dias antes, que era o prazo que eles iriam nos dar as passagens e os euros, a gente acabou recebendo a notícia que não teria como viajar porque os fornecedores deles — que a gente nem sabe quem são — não teriam condições de nos oferecer o pacote que a gente comprou — enumera Carlos.
— São sete pessoas no prejuízo, nós perdemos R$ 42 mil ao todo entre passagens, compra de euros e hospedagens — conclui.
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A família pediu o reembolso. Mas das 56 parcelas quinzenais de R$ 750 que foram combinadas com a irmã de Carlos, nenhuma foi paga.
— A gente perdeu a realização de um sonho, porque nós havíamos planejado essa viagem há uns quatro anos, cada um dentro da sua possibilidade, até conciliando as agendas — finaliza.
GRUPO NO WHATSAPP
Ao todo, a reportagem teve acesso a quatro relatos de famílias que dizem que foram vítimas do mesmo golpe, atingindo diretamente 20 pessoas. Hoje elas mantêm um grupo no WhatsApp que reúne ainda outras suspeitas de golpe praticadas pelo casal proprietário da agência. Todas elas estão unidas para tentar recuperar os prejuízos e entraram com ação na Justiça.
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— Ao ponto que chegou, só o dinheiro das passagens está ótimo — desabafa Daniele.
MP abriu investigação por estelionato
O Ministério Público (MP) de Santa Catarina também recebeu denúncias contra a agência Boll Turismo e iniciou as investigações para apuração dos fatos. Na 8ª Delegacia de Polícia Civil, nos Ingleses, há pelo menos oito boletins de ocorrência contra a agência, todos por estelionato (quando se obtém vantagem ilícita deixando outra pessoa em prejuízo). O delegado responsável pelo caso, Nivaldo Claudino Rodrigues, diz que trabalha no inquérito com prioridade.
— É um caso de relevância, muita gente sofreu prejuízo. Pelas informações que nós obtivemos, eles vêm com conduta da mesma forma já de outros Estados. Eles são naturais de Rio Grande, no Rio Grande do Sul — revela.
O inquérito deve ser concluído até o final deste mês.
O QUE DIZ A EMPRESA
O advogado da empresa, Orleans Neto, nega que seus clientes cometeram crime de estelionato. Ele define os casos como um desacordo comercial.
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— Um descumprimento contratual de forma alguma se encaixa em um crime de estelionato. Estelionato é uma empresa que abre hoje, vende mil pacotes e daqui a dois meses fecha e abre em outro lugar. A empresa (Boll Turismo) tem mais de 10 anos de funcionamento, há cinco no mesmo local. São mais de 5 mil clientes ativos, por causa de 15 pessoas não vai ser configurado crime — defende.
Neto justifica que a empresa está com dificuldades financeiras.
— A situação econômica está complicada, nos últimos dois anos com toda essa crise, muita coisa mudou.
Perguntado sobre os acordos de reembolso que não foram pagos, o advogado disse apenas que esta é uma prova da boa-fé da empresa que tentou acertar com os clientes e reafirma:
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— Houve sim uma venda normal, um desacordo comercial posterior, tentativas frustradas e acabou que algumas pessoas foram até para a Justiça, né? Então já estão sendo discutidas na Justiça.
FISCALIZAÇÃO
A reportagem entrou em contato com a Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV) que disse que não existe um órgão regulador que fiscalize o trabalho das agências de turismo. No Procon estadual e municipal não há registros de ocorrência contra a Agência Boll Turismo. Em nota, o Ministério do Turismo informou que a Agência citada possui o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) exigido pela Lei nº 11.771/2008 e que acompanhará a situação. Se as irregularidades forem confirmadas irá cancelar o registro.
Onde buscar orientação
Por meio do site Viaje Legal, o Ministério do Turismo reúne orientações e dicas para os turistas. Um exemplo é a adoção de algumas medidas antes da contratação do pacote como a verificação sobre queixas ou denúncias no Procon e demais organizações e sites especializados em defesa do consumidor, e também nas entidades de prestadores de serviços turísticos.
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