O Festival Brasileiro da Cerveja começa em Blumenau nesta quarta-feira com mais de 800 rótulos à disposição do visitante. Boa parte destes rótulos participaram, também, do concurso que antecede o festival e que premia as melhores cervejas do Brasil. Mais de 2 mil bebidas passaram pela degustação de mais de 60 jurados durante o concurso entre os dias 4 e 6 na Vila Germânica. Aí você deve pensar: que baita trabalho deve ser esse de julgar cervejas, né? Por isso o Santa convidou o sommelier Douglas Merlo para compartilhar um pouco sobre a rotina de um dia de concurso cervejeiro. Confira o que ele disse:

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Um dia na vida de um bier sommelier

*Por Douglas Merlo, blumenauense sommelier de cervejas

É natural que todos pensem que a vida de um juiz de cervejas é maravilhosa. Muitas pessoas dão risada quando digo que sou juiz de cervejas, ou quando explico como se tornar um. Esse trabalho muitas vezes é considerado um divertimento por todos: bebe-se grátis, tem viagens e hotéis pelo mundo, etc. Mas gostaria de explicar que não é assim tão simples como parece. Agora no mês de março aconteceu o 5º Concurso Brasileiro de Cervejas, e pela terceira vez fui convidado para participar do time de juízes

Um dia antes do concurso, como é de praxe em todos os concursos pelo mundo que já julguei, existe a confraternização dos juízes, onde é possível conhecer e conversar com os colegas brasileiros e de várias nacionalidades e rever juízes de julgamentos anteriores. Depois de muito papo e boas cervejas, é hora de ir descansar para começar os trabalhos de julgamento do dia seguinte.

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O dia já começa diferente logo ao acordar, pois em dia de julgamento nós não podemos tomar café da manhã muito pesado, nem escovar os dentes ou usar enxaguante bucal. Esses elementos podem interferir no nosso instrumento de trabalho, ou seja, paladar e olfato, fazendo com que elimine a sensibilidade para captar aromas, sabores e gostos das cervejas. Eu, por exemplo, ao acordar só como frutas.

(O café da manhã de Douglas em um dia de concurso)

Obviamente, é impossível para os juízes degustarem todas as amostras do concurso. Esse é o motivo pelo qual o organizadores dividem as cervejas em categorias relativas aos estilos. Quanto mais cervejas participarem do concurso, mais categorias serão abertas. Para cada categoria é preparada uma descrição detalhada de todas as características do estilo como dados técnicos, grau alcoólico, cor, amargor etc.

Quando os juízes estão prontos para o julgamento, os organizadores do concurso tentam “usar” o máximo esses juízes. Isso significa que devem trabalhar o dia inteiro. Vocês podem pensar: “ah, mas eu também faria esse trabalho”. Mas levem em consideração que um juiz começa as degustações entre 8h e 9h até as 18h com uma pausa para o almoço de um hora. Se algum juiz for cervejeiro e as cervejas dele estiverem inscritas no concurso, a organização vai cuidar para que ele não julgue as próprias cervejas.

(Douglas avalia as bebidas em vários critérios)

Os organizadores determinam as categorias que os juízes vão julgar, subdivididas em estilos. Em alguns casos, antes do concurso, os organizadores mandam um e-mail para os juízes perguntando estilos que eles gostariam ou tem mais afinidade para julgar.

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As cervejas são servidas em sessões que podem chegar em até 14 copos por vez. Cada cerveja é servida em copos transparentes, sem cheiro, sem gosto e no tempo mais breve possível. Obviamente os juízes não sabem as marcas das cervejas, elas chegam na mesa com um código e somente os organizadores sabem qual a marca que corresponde àquele código. As cervejarias podem também dizer como querem que as suas amostras sejam servidas, por exemplo, se a garrafa deve ou não ser agitada, servida fria ou em temperatura ambiente etc. Assim todos os juízes da mesa vão poder analisar a cerveja igualmente, sem ter uma amostra mais ou menos turva/gelada.

(A mesa farta com copinhos de cerveja para degustação)

Cada copo contém entre 30 e 50ml, mas ainda bem que nós não precisamos beber todo o conteúdo, a maioria das vezes basta um ou dois goles para perceber as características da cerveja que se está degustando. Dificilmente as cervejas são analisadas individualmente. São formados júris de três a quatro juízes que analisam as cervejas juntos. E geralmente a cada dia de julgamento os jurados nas mesas são trocados para que não se crie condicionamento entre eles. Dependendo do número de cervejas inscritas na categoria talvez precise de vários “rounds” de degustação por estilo. Então é preenchido um formulário de análise das características para cada uma onde escrevemos e damos notas nos aspectos de aparência, aroma, gostos, retrogostos, precisão de estilo, drinkability. As anotações são muito importantes pois esses formulários serão enviados para os cervejeiros para que eles possam ter o feedback do que os degustadores profissionais pensam da sua cerveja. As melhores cervejas passam para a segunda fase. O round final é por comentários em uma verdadeira discussão entre os juízes baseado nas anotações que cada um fez durante o primeiro round, essa discussão continua até que as três melhores cervejas sejam escolhidas em voto unânime.

Ser juiz em concursos de cerveja é um trabalho importante e sério, pois estamos analisando não somente o elemento cerveja, mas também anos de estudo e tempo dedicado pelos cervejeiros para conseguir chegar em um produto final, por isso é fundamental fazermos um feedback bem feito pois vai contribuir para que os cervejeiros possam fazer os ajustes necessários e melhorar as suas cervejas.