Ela ainda é tão pequena que é possível pensar que Antonia Cordeiro Brunsfeld não compreende os desafios pessoais que cada adulto enfrenta, mas aos seis anos a menina mostrou mais do que entendimento. Em apenas um gesto, materializou os conceitos de empatia e solidariedade. Era um dia normal quando viu uma mulher sem cabelos, cena que a deixou curiosa.

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Ao saber que se tratava das consequências de um câncer, o qual por vezes ocorre com crianças, ficou sensibilizada. Alguns dias depois, decidiu cortar o cabelo. O destino da doação foi a Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) de Blumenau.

– Achamos superbacana ver uma criança do tamanho dela preocupada com os outros – afirma orgulhoso o pai, Edson Francisco Brunsfeld Júnior.

Atitudes como a de Antonia tornam mais fáceis o processo de enfrentamento à doença. Foi assim com Vera Lúcia Carezia. A peruca, feita com cabelo doado por dezenas de pessoas, ajudou a restabelecer a autoestima em um momento de fragilidade pelo susto do segundo diagnóstico de câncer.

Com dificuldades para aceitar a situação novamente, a peruca se tornou uma fiel companheira em todos os momentos. Nem mesmo para dormir ela tirava o acessório.

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– Você se convencia de que estava indo bem. Não passava pelo olhar de pena dos outros. Fé, medicação e peruca foram tudo – diz a mulher de 51 anos com os olhos marejados.

Cerca de sete perucas são confeccionadas por mês a partir das doações. Fio a fio são costurados por uma voluntária de Joinville e iluminam os olhos de quem chega à unidade em busca de uma peça emprestada. Não é possível saber de quem veio o cabelo que rendeu a peruca – são ao menos 10 dações para render uma peça –, mas o sentimento de gratidão a todos que pensam nas pacientes é permanente.

– Fico feliz com uma atitude tão simples. Sempre que vejo alguém doando agradeço muito – conta Vera Lúcia, que há 15 anos se tornou voluntaria da RFCC de Blumenau.

Ações desse tipo colocam o Brasil na 75ª posição em um estudo que mede o nível de solidariedade de 139 países, promovido pela Charities Aid Foundation. O levantamento levou em consideração o comportamento de 146 mil pessoas em relação à caridade em critérios como: ajuda a estranhos, trabalho voluntário e doação em dinheiro. Para o psicólogo Paulo Roberto Francisco, ser generoso e humanitário é uma qualidade que diz respeito ao caráter do sujeito em sua individualidade.

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– Este espírito solidário é nutrido por um sentimento de compaixão ou empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de sentir o que o outro está sentindo. É daí que nasce e se nutre a motivação para a doação, para a entrega – afirma o psicólogo.

Voluntariado de família

O dia a dia é corrido na vida da Marlene Terezinha Cechet. Entre a organização da casa e cuidar da família, ela nem se dá conta que dedica um tempo importante a fazer o bem ao outro. São apenas algumas horas da semana, mas lá está ela em um hospital de Blumenau visitando os pacientes.

Conversar, ouvir, dar atenção a quem por vezes só quer um pouco de carinho. São assim os instantes que ela dedica aos outros na unidade de saúde. Se faz bem para quem está internado, que por vezes não recebe visitas, imagina para quem doa tempo e atenção para ouvi-los.

– É a melhor coisa desse mundo poder ajudar, porque é sinal de que a gente está bem também – afirma a voluntária de 69 anos.

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Ela não costuma falar sobre a ação, guarda para si o ato em prol de quem geralmente não conhece, mas plantou a semente da solidariedade em quem está ao seu redor. O neto de 14 anos já foi contagiado. Há um ano e meio, Felipe Setragni entrou para um grupo de escoteiros. Diz que sentia a necessidade de fazer algo e juntou amigos que compartilhavam da mesma vontade. As fotos no celular da avó a enchem de orgulho. O menino e vários colegas na mesma faixa etária revitalizando a praça perto de casa, no bairro Garcia. Vassoura, pincel, tintas. Um arsenal para deixar em perfeito estado algo que serve para toda a comunidade se divertir.

Fabiano Uesler, diretor-presidente do Grupo Escoteiro Germânia, frequentado por Felipe, conta que o espírito solidário e a empatia são estimulados entre as 47 crianças e adolescente envolvidas nas atividades. O trabalho, que também tem foco a educação para a liberdade e pensamento criativo, é coordenado por um grupo de 20 adultos voluntários. Entre algumas ações, exemplifica, está a arrecadação de roupas e cobertores para moradores de rua.

– Fortalecemos nos jovens a vontade de optar por uma escala de valores que dê sustentação a suas vidas e os convidamos a agir de forma coerente com essa opção – defende Uesler.

Elas querem fazer o bem

Alicia, Amanda, Bruna, Larissa e Milena são as criadoras de uma iniciativa chamada Implantando o Bem. O projeto surgiu com um trabalho da escola, mas o impacto foi tão grande ao conhecerem a realidade das crianças e adultos do paradesporto que as alunas do 1º ano do ensino médio viraram defensoras da causa. Bruna conta que participaram de diversas aulas e a de goalball – uma espécie de futebol para deficientes visuais – as despertou para a importância de ajudar aquele grupo, que enfrenta inúmeros desafios no cotidiano, sobretudo com acessibilidade. Para eles, a prática esportiva e o envolvimento em competições, proporcionados pelo projeto, garantem mais autonomia.

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Foi daí que elas encontraram uma forma mais efetiva de contribuir. Criaram um perfil em uma rede social para mobilizar pessoas interessadas em ajudar em um pedágio. O objetivo? Arrecadar dinheiro para possibilitar que o paradeporto atenda cada vez mais pessoas com deficiências e transforme realidades. Com a ação, as estudantes conseguiram reunir ao menos 30 voluntários. Elas dedicaram o sábado do dia 7 de julho a mobilizar a sociedade nos semáforos da cidade. Uma tarefa que tem ficado mais difícil no país, aponta o estudo global que mede o nível de solidariedade de 139 países. Segundo o levantamento de 2017, o único item que apresentou queda foi o de doação de dinheiro a organizações (de 30% para 21%).

A cidade, contudo, parece não se encaixar nesse índice, pois o pedágio destinado ao Paradesporto de Blumenau arrecadou mais de R$ 23 mil. São R$ 5 mil a mais do que no ano interior. É um dinheiro importante para o trabalho desenvolvido com 450 crianças e adultos com diferentes tipos de deficiência. O Victor, 10 anos, é um deles. Participa do projeto há quatro anos.

A gratidão da mãe pela atenção que o filho recebe vai além das pessoas que ajudam no trabalho, ela transforma em um corrente do bem. Taison e Fabrícia Voltolini retribuem auxiliando no que é possível na escola que o menino frequenta. É com itens para rifas, impressora, talheres e até um projeto para a sala de recursos multifuncionais que a mãe, arquiteta, está fazendo.

– Acredito que é um exemplo para os outros pais e não beneficia só o Victor, e sim todos os alunos – afirma Fabrícia.

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