Quando tudo o que você tem é levado, por onde recomeçar? Essa pergunta ficou por muito tempo na cabeça de Everton de Quadra de Oliveira, hoje com 29 anos. Após perder a casa em que morava com os pais e irmãos, os dias que sucederam a maior tragédia climática de Santa Catarina eram um desafio. Voltar à rotina foi tarefa difícil não só para ele, mas também para as 5,6 mil pessoas recebidas nos abrigos municipais abertos em Blumenau na catástrofe de 2008.

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Quando o lar já não era mais seguro, a solidariedade de familiares, amigos, vizinhos e daqueles que ainda não se sabe quem são, foi fundamental. Estima-se que a cidade recebeu cerca de R$ 6,4 milhões em doações. Tudo vindo de empresas privadas, entidades, cidadãos do Brasil e do exterior. Somente em dinheiro depositado em uma conta aberta pelo município chegaram R$ 314 mil. Os recursos vieram em comida, eletrodomésticos, reformas de creches e escolas e para a construção de casas populares.

Foi dessa solidariedade que Everton e toda a família Oliveira se reergueram. Tudo o que tinham no imóvel na Rua João Schwatz, no bairro Tribess, foi destruído pela lama. Do chinelo ao cobertor que usaram depois daquele episódio, cada mantimento veio de quem se dispôs a ajudar movido pela compaixão. As mãos que antes de o barro ceder auxiliavam os vizinhos a salvarem seus pertences, agora seguravam os donativos.

– A ajuda das pessoas foi fundamental, com comida, roupa. Naquela época, tudo o que eu e minha família vestíamos foi doação – relembra o motorista.

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Mais de cinco mil toneladas de alimentos

Os móveis de dentro de casa, na moradia temporária, também chegaram de cidadãos e empresas preocupados em fazer o bem e ajudar a reerguer a cidade que em 2008 enfrentou aproximadamente 3 mil deslizamentos e onde morreram 24 pessoas soterradas ou afogadas. A família Oliveira passou mais de um mês no abrigo temporário da Escola Básica Municipal Francisco Lanser, no bairro Fortaleza. De lá saíram para uma moradia provisória às margens da BR-470, onde ficaram por quase quatro anos até conseguirem o auxílio-moradia e meio ano mais tarde um apartamento por meio do programa Minha Casa Minha Vida.

– Recomeçar sem ajuda externa seria impossível. Até o próprio governo na época contribuiu muito com a gente, mas a população foi essencial. O Exército, todos eles que fizeram parte disso, desde um coordenador social até um professor que se dedicava a ir lá (na moradia provisória) dar atenção para as crianças, psicólogos, médicos – afirma.

Em 2008, segundo a Prefeitura de Blumenau, 5,4 mil toneladas de alimentos chegaram por meio de doações. Somente de roupa foram quase 10 mil metros cúbicos. Os itens foram geridos dentro de uma estrutura montada no Parque Vila Germânica, onde inúmeros voluntários dedicavam tempo e energia. Aos poucos, com logística e já conseguindo acessar comunidades até então isoladas pelas barreiras, os mantimentos chegaram a quem precisava.

Dentro dos 76 abrigos espalhados pela cidade, pessoas como Marcos Antônio Schmitt, 41 anos, faziam a diferença. Meses antes do acontecimento, preocupado com a possibilidade do que se esperava ser só mais uma enchente, ele se cadastrou para ser um voluntário da Defesa Civil. Quando a tragédia se confirmou, em proporções até então inimagináveis, deixou o conforto da casa e passou 30 dias trabalhando no abrigo da Escola Básica Municipal Almirante Tamandaré, que fica na Ponta Aguda.

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Ele estava desempregado e resolveu retribuir uma ajuda que a família recebeu décadas atrás. Nas enchentes de 1983 e 1984, a água tomou conta da casa em que moravam na Rua Almirante Tamandaré. Ele tinha apenas quatro anos na época, mas as histórias de gratidão compartilhadas pelos pais o marcaram. Naqueles anos, precisaram passar por abrigos e contaram com a ajuda dos outros para se reerguer.

– Em 2008 tive a oportunidade de retribuir aquela ajuda prestando serviço à minha comunidade. Para mim foi uma satisfação muito grande poder ser útil para as pessoas, por aquilo que um dia alguém me socorreu, e ali eu pude retornar isso para os outros. Se acontecer novamente, com certeza estou pronto para agir, porque isso está no nosso sangue, é da nossa terra – diz Schmitt.