Álvaro Cauduro de Oliveira, que acaba de ser eleito presidente da Sociedade Harmonia-Lyra, em Joinville, fala em “recuperar a fórmula perdida”. Aquela que fez da Harmonia-Lyra o mais importante palco das artes em Joinville durante décadas, epicentro de uma bem-aventurada herança dos primeiros colonizadores, para quem a cultura era artigo de primeira necessidade e força motriz para qualquer tipo de progresso.

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Em algum ponto da história, essa condição foi subjugada pela faceta puramente social e, em tempos mais recentes, pela necessidade de preservar o patrimônio material da entidade. Agora, aos 155 anos de existência, a Harmonia-Lyra vê renascer, pouco a pouco, sua disposição primordial por meio de uma diretoria decidida a resgatar tal identidade.

Provas não faltam: a abertura da sala do maestro Tibor Reisner, fechada há 18 anos e repleta de material raro; a restauração do piano da professora Lieselotte Trinks e do quadro A Rainha e o Pavão, os dois centenários, reapresentados ao público no último dia 15; e o acolhimento total da Orquestra Cidade de Joinville e da Orquestra Jovem. À frente dessa nova fase está Cauduro.

Nesta entrevista ao “A Notícia“, o advogado fala sobre a importância da Sociedade para Joinville, os tempos difíceis e os planos para tornar a entidade novamente protagonista na cultura local.

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A Notícia – Vem de família o seu envolvimento com o universo das artes?

Álvaro Cauduro – Meus pais sempre se esforçaram para me levar a todos os eventos. Me criei indo a recitais, participando de eventos culturais. Acabei estudando piano e violão, na juventude tive um conjunto musical, frequentei vários cursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul na área de artes plásticas. É um gosto natural, uma satisfação. Estou convencido de que, por meio da cultura, é possível um refinamento, melhorar as pessoas de um modo geral e fazer a sociedade progredir.

AN – Qual a importância da Sociedade Harmonia-Lyra para Joinville?

Cauduro – Na verdade, boa parte da história de Joinville se conta pelas atas da Harmonia-Lyra, que hoje estão no arquivo histórico. (…) A Sociedade foi fundada quando Joinville tinha sete anos de existência, eram os primórdios da colônia. Mas, mesmo assim, eles acharam tempo e recursos para constituir uma sociedade com objetivo cultural, esse ambiente de desenvolvimento humanístico que proporcionou a Joinville ser o que é. Não foi o desenvolvimento econômico da década de 70 que transformou Joinville em uma cidade com alguma vocação cultural, foi o contrário. Foi a dedicação à arte e à cultura que fez com que a cidade se desenvolvesse economicamente. (…) Um aspecto interessante que estamos conseguindo reviver é que a Sociedade Harmonia-Lyra sempre foi uma aglutinadora de outras sociedades, de outros grupos. Havia grupos de música, de canto, de teatro, e a Lyra congregava essas manifestações artísticas.

AN – O senhor concorda que a Harmonia-Lyra estava um pouco distante dessa origem cultural?

Cauduro – Junto com os eventos de natureza musical e teatral, sempre se fazia jantares e bailes, que eram uma forma de subsidiar a questão cultural. Essas funções eram muito importantes, porque, efetivamente, era o único lazer que se tinha. Em meados dos anos 60, dois fatores contribuíram para uma mudança comportamental: o surgimento da televisão _ uma forma de lazer fácil e gratuita _ e um grande desenvolvimento econômico. A sociedade se deslumbrou um pouco com essa nova realidade, e a questão cultural foi um tanto abafada pela questão social. Isto chegou ao ápice em meados dos anos 80, quando o Brasil viveu numa crise violenta. Ninguém mais queria colocar smoking para passar o Réveillon dentro de uma sociedade. Bailes de debutantes, concursos de miss foram perdendo a importância. A parte social começou a sofrer. Mas aí temos que fazer um elogio a diretorias anteriores da Lyra, que conseguiram conservar o patrimônio e buscaram meios alternativos.

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AN – Foi muito comentada a forma como o senhor lutou para reabrir a sala do maestro Tibor.

Cauduro – Em reunião da diretoria em dezembro de 2012, já coloquei esse projeto de resgatar a identidade cultural da Harmonia-Lyra. A diretoria gostou da ideia, me deu apoio integral. Começamos com (a revitalização) o piano e o quadro, mas passamos a encarar alguns problemas. Dentro daquele espírito de manutenção do prédio, havia alguns ambientes que precisavam de atenção emergencial. De repente, me deparei com essa sala no fundo do palco, trancada, e encontrei um inquérito em curso. Fui conversar com a promotora do caso e fizemos a abertura em dois momentos. Agora, estamos aguardando a decisão final do inquérito para saber a destinação desse material. Fizemos isso porque aquele patrimônio estava se deteriorando pela burocracia, pelo esquecimento e pelos cupins.

AN – A abertura da sala emocionou bastante a maestrina Fabricia Piva, o que me lembra que a Harmonia-Lyra abraçou a Orquestra da Cidade…

Cauduro – Foi uma feliz coincidência. Em 2013, fomos procurados pela Fundação Cultural para saber se era possível fazer um ensaio e uma apresentação da orquestra aqui. Respondemos que a casa da orquestra seria aqui, porque isso coincide com o nosso projeto de catalisar vários movimentos e entidades. Nos sentimos privilegiados em encontrar um mecanismo já em funcionamento e poder dar essa resposta. Vale ressaltar que este ambiente foi construído para ter uma acústica apropriada para estas apresentações. O forro da Harmonia-Lyra é de cobre. Isso, inclusive, desmistifica conversas de que o salão tem cupins.

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AN – Vai haver uma sala de concertos?

Cauduro – Será no salão nobre, anexo ao grande salão. Conversamos com a Fabrícia e colocamos algumas condições, entre elas, um projeto. Propusemos fazer o que for possível durante 2014, mas dando o máximo possível de retorno para a sociedade. Porém, em dezembro, vamos fazer uma grande apresentação de fim de ano, que era uma tradição centenária em Joinville. O grande momento dela terá que ser a entrega ao público do programa de 2015. Teremos as datas, os eventos, a música, o que vai acontecer em 2015, como qualquer orquestra tem. A sala está dentro dessa programação e será onde pretendemos ter concertos e eventos semanais. Estamos num processo de consolidação da orquestra. Junto com isso vem a formação de músicos, de público e de patrocinadores, que precisam saber que existe uma orquestra de qualidade e que vai haver público.

AN – E quais os planos para a boate da Lyra e o restaurante onde funcionava o Taberna?

Cauduro – Isso faz parte de um estudo complexo de restauro de todas as áreas. Algumas coisas foram alteradas ao longo da existência e precisam retomar a sua forma original, ter uma proposta adequada para o momento atual. Porque não podemos abandonar a viabilidade econômica desta entidade. Estes espaços da boate e do antigo Taberna terão que encontrar um destino, e temos alguns projetos neste sentido. O antigo Taberna, que foi aberto para a rua, seguramente vai voltar a ter acesso para dentro da sociedade. Essa passagem será, inclusive, usada como apoio nos eventos culturais.

AN – É possível que entidades históricas como a Lyra voltem a protagonizar o cenário cultural, ou serem parceiras de produtores e órgãos públicos?

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Cauduro – Podem sim. A Harmonia-Lyra tem uma grife. Há uma resposta da sociedade, e já testamos essa resposta, seja do empresariado, do patrocinador, do público. Vamos conseguir retomar essa capacidade aglutinadora. A cidade precisa disso.

A sociedade:

– Fundada em 31 de maio de 1858.

– Prédio é de 1830, tombado como patrimônio histórico pelo governo do Estado.

– Lugar histórico onde a sociedade joinvilense se reúne para festas, eventos sociais e empresariais. Hoje, há locações para eventos, como casamentos, teatros e shows.