Atordoados, os sobreviventes do tufão Haiyan reviravam neste domingo, em meio a cadáveres, os escombros do que restou dos locais onde viviam, no centro das Filipinas, uma região devastada pelo tufão.

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Os moradores, armados e com fome, saqueavam lojas e os veículos que forneciam ajuda, insuficiente diante dos muitos desabrigados.

Mais de 48 horas após a passagem de um dos tufões mais violentos da história, que pode ter deixado 10 mil mortos, o centro do arquipélago era palco de cenas de terror, enquanto os sobreviventes desesperados procuravam algo para comer e beber.

Nos limites da cidade costeira de Tacloban (220 mil habitantes), uma das mais atingidas e localizada na ilha de Leyte, zonas inteiras foram destruídas por ondas gigantescas e por ventos que ultrapassaram os 300 km/h.

Edward Gualberto se equilibra sobre cadáveres para vasculhar os escombros de uma casa que desabou. Vestido somente com uma calça vermelha, este pai de quatro crianças e conselheiro local do município pede desculpas por sua aparência e por suas ações.

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– Eu sou uma pessoa decente. Mas se você não come nada há três dias, é capaz de fazer coisas horríveis para sobreviver – afirma Gualberto, enquanto pega potes de conserva, em meio às moscas sobrevoam os corpos.

– Nós não temos nada para comer. Precisamos de água e de outras coisas para sobreviver – revela.

Após meio dia de buscas, Gualberto tem nas mãos pacotes de macarrão, latas de cerveja, potes de conservas, biscoitos e balas, além de sabão.

-Esse tufão levou toda nossa dignidade. Mas eu ainda tenho minha família e sou muito agradecido por isso – declara.

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Anarquia e pesadelos

Em outras partes da cidade, sobreviventes adotam estratégias de vida mais agressivas, aproveitando-se da ausência das forças policiais, que quase desapareceram desde a passagem do tufão.

Assim como Edward Gualberto, eles dizem não ter comido nada em três dias. As autoridades admitem sua incapacidade de levar ajuda a quem precisa.

Alguns moradores quebraram as poucas vitrines que resistiram aos fortes ventos ou destruíram as grades de proteção de algumas lojas.

Um açougueiro, desesperado, mostra um revólver para os saqueadores – que não se preocupam com a ameaça e continuam a esvaziar o comércio. O homem levanta sua arma para o alto e grita, em uma tentativa de afastá-los.

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Perto dali, Emma Bermejo, dona de uma pequena confeitaria, diz que o que vê são cenas de anarquia.

– Não há ninguém da polícia, e a ajuda demora muito tempo para chegar. As pessoas estão imundas, com fome e sede. Mais alguns dias e vão começar a se matar – prevê a mulher.

– É medonho. Primeiro a catástrofe, depois os saques às nossas lojas. Eu entendo que peguem comida e água. Mas aparelhos de televisão? Máquinas de lavar? – se pergunta.

O presidente da Cruz Vermelha Internacional das Filipinas, Richard Gordon, classificou certos saqueadores de gangsteres depois que um comboio da ONG que levava ajuda foi roubado perto de Tacloban.

Nas estradas da região, homens, mulheres e crianças caminham numa paisagem desoladora. Muitos usam máscaras no nariz e na boca para não sentir o cheiro dos cadáveres.

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As autoridades temem que o número de mortos em Leyte chegue a aproximadamente 10 mil, e a 300 na ilha vizinha de Samar, onde mais de 2 mil pessoas são consideradas desaparecidas.

Uma equipe de recolhimento dos corpos foi montada, mas os soldados dão sinal de esgotamento. “Temos seis caminhões que passam pela cidade recolhendo os corpos. Não é suficiente”, afirma o motorista de um dos carros. “Há corpos por todos os lados”.

Moradores enviam cartas aos jornalistas, dirigidas a familiares que moram em outras regiões do país.

Muitos estão feridos e contam como foram seus momentos de pesadelo. “As ondas não paravam de subir na nossa rua, levando nossas casas”, conta à AFP Mirasol Saoyi, uma jovem de 27 anos.

-Meu marido nos prendeu um ao outro, mas nós nos separamos. Eu vi muita gente gritar e se afogar. Ainda não encontrei meu marido.

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Todos os anos, as Filipinas sofrem com cerca de vinte tempestades e tufões entre os meses de junho e outubro. Além dos tufões, o país sofre regularmente com a ira da natureza, em forma de terremotos ou erupções vulcânicas, com um balanço de vítimas fatais cada vez maior. No entanto, se o balanço de 10.000 mortos se confirmar, o Haiyan será a pior catástrofe natural já registrada na história recente das Filipinas.

Depois de ter atingido o centro das Filipinas na sexta-feira, o Haiyan se dirigia neste domingo ao Vietnã, que evacuou mais de 600.000 pessoas como medida de segurança. Espera-se que a tempestade chegue ao país na manhã de segunda-feira, 24 horas depois do previsto inicialmente, depois de mudar repentinamente de trajetória, o que obrigou as autoridades a realizar grandes evacuações na província de Nghe An, no norte, a 230 km da capital, Hanoi.

Diante da magnitude da catástrofe registrada nas Filipinas, vários países ofereceram ajuda. Os Estados Unidos fornecerão helicópteros, aviões, barcos e equipamentos destinados à busca e ao resgate, após um pedido feito por Manila, indicou o secretário americano da Defesa, Chuck Hagel. Austrália e Nova Zelândia entregaram neste domingo quase meio milhão de dólares (370.000 euros) à Cruz Vermelha das Filipinas e indicaram que podem fornecer ajuda adicional.

O Programa Mundial de Alimentos (PAM), uma agência das Nações Unidas, está organizando a transferência de 40 toneladas de alimentos e a UNICEF, a agência da ONU para a infância, preparou 60 toneladas de material de saúde e de sobrevivência que deve chegar às Filipinas na terça-feira. A Comissão Europeia “já enviou uma equipe para ajudar as autoridades e estamos dispostos a contribuir (nos trabalhos de resgate) com uma ajuda de emergência, se for necessário”, disse seu presidente, José Manuel Barroso.

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O papa Francisco pediu pelo Twitter que os católicos rezem pelas vítimas e o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse estar muito triste pela amplitude das perdas humanas.

Confira imagens amadoras do tufão:

Imagens: YouTube