A família de Matheus Rafael Raschen, 20 anos, estudante de Tecnologia em Alimentos da UFSM que morreu quatro dias após o incêndio na boate Kiss, tornando-se a vítima número 236 da tragédia, recebeu um visitante intensamente aguardado na manhã deste sábado. Jonas Vieira, 26 anos, viajou de Novo Hamburgo a Santa Cruz do Sul para conhecer os pais do jovem que o salvou na madrugada de 27 de janeiro.
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– Não tenha nenhum sentimento de culpa – pediu Nestor, 53 anos, pai de Matheus, ao cumprimentar o recém-chegado com um demorado abraço, na frente de casa, na Avenida Independência.
A mãe, a avó e o irmão mais velho de Matheus também recepcionaram Jonas, que já morou em Santa Cruz. O encontro foi possível graças a contatos via Facebook. Jonas e Matheus se conheceram há cerca de quatro anos, quando o representante comercial assistiu a uma partida de basquete do universitário, no ginásio do Corinthians Sport Club, em Santa Cruz. Após o jogo, saíram em grupo para um lanche. Na madrugada do desastre, os dois se reencontraram dentro da casa noturna e conversaram brevemente, minutos antes do início do fogo. Ao tentar deixar o local, Jonas perdeu o tênis e se machucou ao cair. Só conseguiu escapar ao ser auxiliado por Matheus, que depois voltou para o interior da boate para socorrer outras pessoas. O atleta, quatro vezes campeão estadual pela equipe santa-cruzense, acabou sofrendo queimaduras em 43% do corpo e aspirando a fumaça tóxica. Em estado grave, foi transferido ao Hospital de Pronto-Socorro, em Porto Alegre.
– Eu nunca estive em uma guerra, mas acho que aquilo ali era muito pior – contou o sobrevivente, ainda mancando devido ao corte no pé e interropendo o depoimento inúmeras vezes por causa do choro.
Temeroso com a possibilidade de abalar os parentes, Jonas não contou que estivera na Kiss e presenciara todo o horror em Santa Maria. Associou o rosto de Matheus ao sobrenome Raschen quando acompanhava a repercussão pelo noticiário. Com a morte do estudante, na quinta-feira 31, experimentou uma violenta sensação de culpa e confidenciou a angústia a uma amiga via Facebook. Essa amiga, mãe da namorada de Matheus, intermediou o contato com a família.
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– Para ele era muito importante fazer coisa boa. Que bom que você conseguiu nos achar – disse a dona de casa Núria, 58 anos, mãe do ala-armador que defendeu também a seleção gaúcha.
Os Raschen enfrentam pela segunda vez o luto de uma perda tão próxima – Thiago, o filho do meio, morreu em 2010, aos 24 anos. Na semana seguinte ao incêndio, a partir das informações trazidas por outras vítimas, Nestor e Núria acreditaram que o caçula pudesse ter se envolvido no socorro aos demais frequentadores. Neste sábado, sentiram-se aliviados ao descobrir que, no momento em que ajudou Jonas, Matheus estava fisicamente bem. Um corte no supercílio leva os pais a supor que ele bateu a cabeça ao desfalecer, intoxicado pela fumaça. Núria atormentava-se, nos últimos dias, ao imaginar a possibilidade de o filho ter sido atingido pelas chamas ainda consciente.
– Que bom que vidas foram salvas – conformou-se Nestor, vice-diretor do tradicional Colégio Mauá, onde chegou a ser professor dos três filhos.
– Obrigado. Sempre que eu puder, vou bater aqui na sua porta – falou Jonas, convidado para visitar o túmulo do amigo no cemitério, quase em frente à residência, e para o almoço, logo depois.
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