Não sei onde você mora, caro leitor, nem como é sua afinidade com as redes sociais. Mas considerando que você more em algum lugar distante do Centro, tenha ficado sem acesso à internet, ou ainda não tenha se preocupado com essas coisas, vou atualizá-lo com o meme da semana: pessoa raiz x pessoa Nutella (substitua “pessoa” por qualquer profissão ou grupo de pessoas, como professor raiz x professor Nutella ou joinvilense raiz x joinvilense Nutella…). No que me diz respeito, nos grupos de escritores do Facebook, pipocaram memes sobre escritor raiz x escritor Nutella.
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As versões variavam bastante, mas, basicamente, um escritor raiz seria aquele que seguia os passos dos escritores clássicos, que não dispunham de marketing nas redes sociais, que usavam caneta (ou máquina de datilografar) para escrever seus textos, que estudavam métrica poética e escansão de versos e tratavam de temas universais. Em contraposição a esse, o escritor Nutella seria aquele que publica e-books, que escreve sobre temas “modinha”, que usa computador e celular para escrever seus textos… Em todas as variações do meme, havia um escárnio velado ao falar dos escritores da contemporaneidade e uma nostalgia ao falar dos escritores antigos.
Ninguém se lembrou dos tantos poetas boêmios que morriam de tuberculose, que bebiam até o fígado desintegrar-se. Ninguém recordou que o grande Shakespeare escrevia para o povo, com linguagem simples e compreensível em todas as camadas sociais. Ninguém pensou nos modernistas brasileiros, cujo olhar se voltou para os personagens esquecidos da sociedade, o sertanejo, o suburbano, o caipira, o nordestino – e que, à época, esses temas se tornaram “modinha”. Infelizmente, somos um povo de memória fraca.
O grande problema do meme raiz x Nutella é que, mais do que uma piada (nem sempre engraçada, na minha opinião), ele acaba segregando grupos que já são desunidos, gera preconceitos e desestimula as pessoas a continuarem suas jornadas. De ações que nos colocam para baixo, que nos tiram do foco dos nossos objetivos, o mundo já está cheio. Não precisamos de mais uma ferramenta discriminatória disfarçada de brincadeira.
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Eu, defensora da liberdade, não sou (não pretendo ser) nem raiz e nem Nutella: sou um copo de requeijão reaproveitado, cujo rótulo foi retirado – e que luta para que os rótulos sejam todos abolidos.