Tramita na Câmara de Vereadores um projeto que pretende proibir a doutrinação política, ideológica e religiosa nas escolas e universidades de Joinville. O projeto de autoria da Pastora Léia (PSD) recebeu o nome Escola Sem Partido, mas é chamado pelos opositores de Lei da Mordaça. Uma das entidades contrárias à iniciativa é o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej).
Continua depois da publicidade
Nesta terça-feira, o projeto, que já recebeu parecer favorável da Comissão de Legislação, foi discutido na Comissão de Educação, presidida pelo vereador Claudio Aragão (PMDB). A comissão contou com a presença da autora do projeto, além de pais, estudantes e professores. Membros dos movimentos contrários ao projeto foram simbolicamente amordaçados e levaram faixas e cartazes pedindo a exclusão da lei.
Leia as últimas notícias de Joinville e região
Os vereadores Odir Nunes (PSDB) e Adilson Mariano (PSOL) se manifestaram sobre a proposta. Odir disse estar aberto à proposta e que “não existe doutrinação” nas escolas, enquanto que Mariano foi contrário e solicitou a retirado do projeto.
Sonia Fachini, da Secretaria de Educação, e Denise Rengel, presidente do Conselho de Educação de Joinville, também se manifestaram contra o projeto, mas ainda deverão discutir a proposta.
Continua depois da publicidade
– Já temos leis, Plano Nacional, Estadual e Municipal de Educação. Isso pode cercear o nosso trabalho. Quem deve decidir é o Conselho de Educação – disse Sonia.
Um pai que estava presente na sessão da Câmara se posicionou favorável ao projeto. Depois dele, professores e estudantes se pronunciaram contrários à iniciativa. Muitos reclamaram que o projeto é apoiado pelo ator Alexandre Frota. Uma paródia da música “Baile de Favela” foi cantada pelos estudantes secundaristas.
Na segunda-feira, a reportagem do “A Notíca” conversou com a vereadora. Ela se disse assustada com a repercussão que o projeto teve.
– Nós não queremos proibir nada. Queremos cumprir a Constituição. Isto está garantido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O educando tem a liberdade de aprender. Ele vai na escola para aprender. E isto está garantido no artigo 206 da Constituição e no artigo 5º do ECA – defende a vereadora.
Continua depois da publicidade
A atual presidente do Sinsej, Mara Tavares, explicou porque o Sinsej entende que se trata de “um ataque à liberdade de expressão”.
– Como o próprio texto da lei diz, não se pode falar em política, não se pode ter posicionamento nenhum na sala de aula. Não se pode divulgar mobilizações para que os alunos participem. Isso é retrocesso. O texto trata o ser humano como um ser humano neutro e ninguém é neutro. O papel do professor é justamente despertar esta consciência crítica – disse Mara.
Sessão, que iniciou às 17 horas, teve o Plenarinho lotado para discussão do tema
A iniciativa é apoiada pela organização “EscolasemPartido.org”. Foi solicitada à assessoria da vereadora, a indicação de professores favoráveis ao projeto. O pedido foi feito na sexta-feira, 3 de junho, e até o fechamento desta reportagem não havia sido atendido.
Além do Sinsej, são contrários ao projeto as entidades Liberdade e Luta, Diretório Central dos Estudantes do Bom Jesus/Ielusc, Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Bráz, Associação de Moradores do Bairro Adhemar Garcia, União Joinvilense dos Estudantes Secundaristas e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina.
Continua depois da publicidade
Uma audiência pública foi solicitada pela direção do Sinsej, para um debate mais amplo do tema. A audiência ainda não foi marcada.
Debate de ideias e falta de consenso
Questionada sobre um dos pontos polêmicos do projeto de lei que diz que “o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará os seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”, a vereadora Pastora Léia explica que não se trata de proibir o convite.
– O convite é outra coisa. A liberdade é de cada um. Acho que os grêmios estudantis vão e devem continuar. Acho que essas coisas, nós temos que ter nas escolas. Eu também sou professora, sou formada em Pedagogia e tenho pós-graduação – defendeu-se a parlamentar.
Conforme ela, a doutrinação a que se refere o projeto é a mesma da aplicada nas igrejas.
– Doutrinação é quando eu vou falar e quero que você pense como eu, tenha a mesma ideologia. Geralmente, os católicos passam pela doutrina para fazer a comunhão. A pessoa é doutrinada, é ensinada naqueles princípios para depois participar. Doutrinação é ser ensinado em princípios que você crê, que você prega – explicou.
Continua depois da publicidade
Professora na rede municipal de Joinville há 16 anos, Mara Tavares afirma que não se pode admitir que alguém pense da mesma forma que você.
– Não podemos deixar as coisas ao léu, sem base nenhuma. Daqui um tempo, se essa lei for aprovada, a gente vai voltar ao tempo de gente vigiando as nossas aulas. Na época da ditadura, isso acontecia – refletiu a presidente do Sinsej.
Para a Pastora Léia, os professores contrários são os que “tendem a doutrinar as crianças” e que não leram o projeto na íntegra.
– É falta de conhecimento. As pessoas têm tanto medo de a gente se tornar um (regime) militar. Nós não estamos a fim de ferir ninguém. A nossa agressividade tem que ser sempre no sentido de conquistar alguma coisa a mais para as pessoas. Não tolher os direitos das pessoas – defende.
Continua depois da publicidade
Mara Tavares mais uma vez discorda e diz que a proposta é um retrocesso.
– Estaremos deixando certos conceitos que hoje são novos, como o conceito de família. Já não se deve usar aquele conceito quadradinho porque hoje as famílias são diferentes. Tem que falar da diversidade, da questão de gênero. O medo é esse. A sociedade está mudando tanto que estão querendo que não se fale destas mudanças em sala de aula. Há alunos criados por casais homossexuais. E nós não vamos poder falar disso na sala de aula? – questiona.
Confira o projeto de lei:
* Alex Sander Magdyel é aluno do 7º semestre do curso de jornalismo do Bom Jesus Ielusc e faz estágio em “AN” desde março.