*Por Ernesto Londoño e Letícia Casado
Rio de Janeiro – Há um ano, quando os incêndios tomaram conta da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro reagiu às críticas internacionais com indignação.
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“A Amazônia é nossa”, disse ele, argumentando que o destino da floresta tropical era uma decisão que cabia a seu país.
Muita coisa mudou em um ano.
Sob pressão de governos europeus, investidores estrangeiros e empresas brasileiras preocupadas com a reputação do país, Bolsonaro proibiu incêndios florestais durante os quatro meses da estação seca e montou uma operação militar contra o desmatamento.
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A nova postura representa uma reviravolta notável em um governo que tem atraído condenação global generalizada em relação às suas políticas ambientais.
Ambientalistas, especialistas e autoridades estrangeiras que têm pressionado o Brasil em questões de conservação estão céticos quanto ao compromisso do governo, temendo que essas ações sejam pouco mais que um controle de danos em um momento de apuros pelo qual passa a economia.
Bolsonaro e vários de seus aliados políticos há muito favorecem a abertura da Amazônia para mineradoras, agricultores e madeireiras, e seu governo trabalha abertamente para minar os direitos territoriais das comunidades indígenas. O desmatamento aumentou sob seu mandato.

Mas, à medida que os custos políticos e empresariais de políticas que priorizam a exploração sobre a conservação aumentam, alguns ativistas veem uma oportunidade de desacelerar, ou mesmo de reverter, essa tendência ao promover o apoio do setor privado a políticas mais verdes.
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“O Brasil está se tornando um pária ambiental no cenário global, destruindo uma reputação positiva que levou décadas para ser construída”, declarou Suely Araújo, especialista em política ambiental que foi demitida como chefe do principal órgão de proteção ambiental do país, o Ibama, logo depois que Bolsonaro tomou posse.
A piora da reputação do Brasil em relação ao meio ambiente também colocou em risco dois importantes objetivos de política externa: a implementação de um acordo comercial com a União Europeia e sua ambição de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um grupo de 37 países. Ambos os acordos exigem que o Brasil cumpra as normas básicas em matéria de políticas trabalhistas e ambientais.
Um sinal dos potenciais danos econômicos aos interesses do Brasil veio no fim de junho, quando mais de duas dezenas de instituições financeiras que controlam coletivamente cerca de US$ 3,7 bilhões em ativos alertaram o governo brasileiro em uma carta, afirmando que os investidores estavam se afastando de países que estão acelerando a degradação de ecossistemas.

A mensagem foi claramente assimilada no Brasil. Os três maiores bancos do país anunciaram um esforço conjunto para pressionar e financiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia.
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E um grupo de brasileiros ex-ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central argumentou em uma declaração conjunta em julho que a melhor maneira de impulsionar a economia é investir em tecnologias mais verdes, acabando com os subsídios aos combustíveis e reduzindo drasticamente a taxa de desmatamento.
Mas o sinal mais claro da mudança de política sobre o tema está no destino de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, que luta por sua sobrevivência política em meio às críticas ao crescente desmatamento.
Salles, o rosto dos esforços do governo Bolsonaro para enfraquecer as proteções ambientais, foi expulso de seu partido em maio por sua liderança no ministério. Ele também enfrenta uma queixa judicial do Ministério Público Federal, que quer seu afastamento, argumentando que a atuação de Salles no cargo equivalia a um abandono do dever.
Líderes brasileiros frequentemente se incomodam com campanhas lideradas por estrangeiros para salvar a floresta tropical, entendendo tais esforços como uma forma dissimulada de dificultar o potencial econômico da vasta nação, que é um dos principais exportadores de alimentos e outras commodities.
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Em julho de 2019, Bolsonaro disse em uma mesa-redonda de jornalistas internacionais que a taxa de desmatamento na Amazônia deveria dizer respeito apenas ao Brasil. “A Amazônia é nossa”, disparou ele.
Nos primeiros seis meses deste ano, madeireiros arrasaram aproximadamente 3.067 quilômetros quadrados da floresta, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil. Essa área é 25 por cento maior que a cobertura florestal perdida no mesmo período de 2019.
Especialistas em meio ambiente dizem que a operação militar para conter o desmatamento, que inclui mais de 3.600 soldados e agentes da lei, vai, na melhor das hipóteses, diminuir a tendência de desmatamentos e incêndios este ano. Para revertê-los fundamentalmente, afirmam que o governo precisaria fazer mudanças abrangentes para reforçar o nível de pessoal, das ferramentas e do apoio político dos órgãos de proteção ambiental.
A associação de agentes de proteção ambiental do governo e do Ministério Público Federal afirma que Salles é o grande responsável pelo aumento do desmatamento durante o governo Bolsonaro.
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Em seu mandato, disseram eles em declarações separadas divulgadas recentemente, especialistas perderam ferramentas e autonomia. Agentes de carreira dos principais órgãos ambientais foram rebaixados ou demitidos no início deste ano, depois de operações contra invasores de terras que provocaram uma reação política.
As críticas a Salles chegaram ao ponto de ebulição em maio, depois da divulgação do vídeo de uma reunião do gabinete, na qual ele fala que a pandemia do coronavírus havia criado uma distração oportuna para avançar na desregulamentação ambiental sem atrair muito escrutínio da imprensa.

Em uma denúncia de 126 páginas apresentada no início de julho, o Ministério Público Federal acusou Salles de gastar dinheiro ineficientemente, de promover retaliações contra agentes de vigilância eficientes e de emitir o menor número de multas por crimes ambientais em 20 anos, mesmo com a invasão de terras protegidas. “A destruição do sistema de proteção ambiental do Brasil foi resultado dos atos, omissões e declarações do acusado”, escreveram os procuradores federais na denúncia, que busca impedir que Salles ocupe cargos públicos.
Salles, que não respondeu a um pedido de entrevista, chamou as alegações de infundadas e acusou os procuradores de se intrometerem em políticas do Poder Executivo.
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