*Por Jan Hoffman

Brad Bigford, enfermeiro itinerante de Boise, em Idaho, aceitou o convite na hora: passar uma tarde na Fred's Reel Barber Shop, em Meridian, oferecendo a vacina da gripe aos clientes.

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"Senhoras, peçam a seus rapazes que venham cortar o cabelo e tomar a vacina da gripe", postou Bigford no Facebook. E acrescentou: "Quem for antivacina não precisa responder."

Após algumas horas, sua página do Facebook foi tomada por centenas de comentários agressivos, incluindo até mesmo ameaças violentas de pessoas que se opõem à vacinação. Avaliações cruéis no Yelp e no Google sobre seu negócio de cuidados de urgência, a Table Rock Mobile Medicine, surgiram de "pacientes" desde Los Angeles até a Austrália. O número de seu celular, a cidade em que mora e o nome de sua mulher foram divulgados.

Então, a e-cavalaria veio em seu resgate. Um novo grupo de médicos, enfermeiros e outros apoiadores das vacinas, chamado Shots Heard Round the World, inundou sua página com fatos baseados em evidências, o que atraiu gente pronta para a briga em seus próprios sites e longe do de Bigford. Eles o ensinaram a bloquear cerca de 600 usuários e a deletar comentários.

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"Eles me salvaram. Mas é uma questão de tempo até que eu seja atacado novamente", disse Bigford.

As vacinas costumavam ser adotadas quase inquestionavelmente nos Estados Unidos como salvadoras de vidas. Mas um ceticismo crescente as cerca quando os chamados antivacinas dominam o megafone da internet. Suas táticas agressivas nas redes sociais intimidaram o mundo médico, que permaneceu em relativo silêncio. Eles semearam dúvidas sobre vacinas opcionais como as da gripe e do HPV, e angústia em muitos novos pais que enfrentam exigências estaduais.

Mas agora médicos e outros prestadores de cuidados de saúde estão começando a se unir virtualmente em um esforço organizado para defender não só uns aos outros, mas também as próprias vacinas, que eles veem como essenciais para sua missão.

Recentemente, realizaram sua militância virtual mais intensa, invadindo plataformas de mídia social com mensagens positivas sobre vacinas e a hashtag #DoctorsSpeakUp, #NursesSpeakUp, #ResearchersSpeakUp, #ParentsSpeakUp e #TeachersSpeakUp. A hashtag e seus aliados se espalharam por todo o Twitter, muitos listando doenças que nunca tinham visto por causa das vacinas. Médicos e enfermeiros postaram memes e vídeos do TikTok. O principal órgão de saúde pública dos EUA tuitou.

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Ao longo do dia, os pró-vacinas usaram as hashtags para propor desafios. Quando os antivacinas atacaram o post de um médico de adolescentes no Instagram que escreveu sobre a vacina contra o HPV, o Shots Heard correu em seu auxílio. Na manhã seguinte, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Mídia, Tecnologia e Saúde da Universidade de Pittsburgh, que estavam analisando o tráfego, observaram que pelo menos meia dúzia de tuítes estavam sendo retuitados milhares de vezes.

Tais esforços são particularmente urgentes agora, dizem alguns especialistas médicos, que temem uma iminente crise de saúde pública: o coronavírus está se espalhando não apenas simultaneamente com uma severa temporada de gripe, mas também, potencialmente, com surtos de sarampo, que normalmente ocorrem no fim do inverno e no início da primavera.

Até recentemente, era raro os médicos postarem mensagens pró-vacinação nas redes sociais. Dezenas de colegas entraram em contato com o dr. Steven Ford, professor assistente de medicina neonatal na Universidade do Sul da Flórida, depois que ele escreveu um post de informações sobre vacinas no Facebook que se destinava a pais de seus pacientes prematuros vulneráveis. "Todos eles disseram: 'Estamos agradecidos', 'É muito corajoso', 'Ótimo trabalho', mas poucos compartilharam seu texto ou falaram publicamente", afirmou Ford, que foi submetido a um violento ataque antivacinação.

A reação foi elaborada pelo dr. Zubin Damania, que trabalhou por dez anos como internista da Universidade de Stanford e que agora dá palestras sobre cuidados médicos em conferências e on-line como ZDoggMD.

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"Quero conclamar minha própria tribo – os médicos. Eles são os maiores covardes quando se trata dessas coisas, porque acham que têm muito a perder", disse Damania.

O Shots Heard surgiu do violento ataque cibernético à Kids Plus Pediatrics, uma clínica independente em Pittsburgh. A clínica conta com um estúdio de produção de vídeos com equipamentos de podcast. Em meados de 2017, ela lançou o "We Prevent Cancer", um vídeo de 90 segundos sobre a vacina contra o HPV.

Em resumo, seus sites de mídia social foram bombardeados por milhares de comentários negativos. Suas classificações on-line despencaram, surgiram críticas violentas de "pacientes" de todos os cantos, menos de Pittsburgh. Apoiadores anônimos, que espreitam em sites antivacina, enviaram secretamente ao dr. Todd Wolynn, famoso médico da clínica, e a Chad Hermann, o diretor de mídia da Kids Plus, capturas de tela que dizem: "Vamos pegá-los no Yelp!", "Derrubem as linhas telefônicas."

"Foi um terrorismo coordenado", denunciou Hermann.

Wolynn pediu ajuda aos colegas. No Facebook, o Doctor Moms Group e muitos outros vieram em sua defesa. Finalmente, a clínica bloqueou cerca de 900 pessoas que atacavam suas plataformas on-line.

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Wolynn, que foi consultor em confiança de vacinas e pesquisador clínico da Sanofi e da Merck, ficou alarmado com o ataque e a crescente reticência entre os pediatras para falar com veemência sobre os benefícios das vacinas. Ele e Hermann começaram a pedir que integrantes dos serviços de saúde começassem a se apoiar.

"Estamos em desvantagem em relação aos antivacinas", diz Wolynn aos provedores. "Eles não têm restrições sobre o que podem dizer; nós temos", afirmou ele, referindo-se à obrigação de um médico de abordar a medicina com base em evidências.

O Shots Heard surgiu dessas sessões. Desde que começou a funcionar no fim do ano passado, o grupo cresceu para quase 600 voluntários em todo o mundo, dedicados a defender outros defensores da vacina contra ataques antivacinas on-line. Entre seus integrantes estão médicos, enfermeiros, advogados, pesquisadores, estudantes de medicina, paramédicos e membros do legislativo estadual. Quando um ataque é relatado, os membros do grupo são notificados por e-mail ou por meio de um grupo fechado do Facebook.

"Queremos que eles vão até o local e façam o que quiserem fazer. Para alguns, é responder a todas as alegações falsas com um link para um estudo baseado em evidências. Para outros, a ideia é atacar os antivacinas", disse Wolynn.

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O Shots Heard postou recentemente um guia de estratégia gratuito de 80 páginas, o "Anti-Anti-Vaxx Toolkit", que foi baixado mais de duas mil vezes. Nos últimos três meses, os membros do grupo participaram de cerca de dez grandes ataques e cerca de 60 menores.

Os ataques cibernéticos parecem ser iniciados por um número relativamente pequeno de extremistas, não pelos "hesitantes da vacina" – pais que estão assustados e preocupados com as vacinas e seu impacto. "Não há problema nas perguntas de boa fé. Não é certo ser hostil", observou Wolynn.

Educadores como o dr. David L. Hill, pediatra em Goldsboro, na Carolina do Norte, que dá palestras sobre comunicação com o paciente, diz que não quer que os antivacinas controlem a mensagem. "Os médicos têm de falar com os pais de uma maneira que não os faça sentir-se diminuídos ou desrespeitados. A conversa deve começar com a ideia de que todos querem o melhor para a criança."

Um estudo de 2019 na revista "Vaccine", que analisou as características dos comentaristas antivacinas no Facebook, descobriu que, embora a maioria seja do sexo feminino e mães, suas diferenças eram significativas. Os especialistas em saúde, disseram os autores, não devem, portanto, presumir que uma mensagem pró-vacina única será eficaz. Os integrantes desse grupo se referem a si mesmos como defensores da "escolha da vacina", como Larry Cook, fundador do popular site do Facebook Stop Mandatory Vaccination, que escreveu no post de Bigford sobre vacina/corte de cabelo: "Vacinas não têm benefício algum."

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Uma proeminente ativista antivacina é Erin Elizabeth, que dirige o Health Nut News, um boletim que desafia os conceitos tradicionais de saúde e promove uma linha de óleos e produtos essenciais. Seu post sobre Bigford começou: "Esse grupo horroroso de vacinação infantil ambulante…"

Em resposta a uma pergunta do "The New York Times", ela escreveu em um e-mail que tinha mais de dois milhões de seguidores em várias plataformas, mas negou coordenar os ataques. "Acredito que o aumento da atuação do movimento de escolha da vacina pode ser simplesmente um subproduto natural dos consumidores se tornando mais informados sobre sua saúde", escreveu Elizabeth.

Damania, que faz rap, discursos e entrevista convidados no YouTube e no Facebook, sentiu a ira dos antivacinas. Enquanto entrevistava o dr. Paul Offit, defensor do procedimento, os dois homens começaram a ouvir batidas fortes. Manifestantes batiam nas paredes de vidro do estúdio de Las Vegas.

Mas foi após o ataque cibernético a uma pediatra de Cincinnati em janeiro que Damania pediu a ação recente de tomar de assalto as mídias sociais com posts pró-vacina. A pediatra, dra. Nicole Baldwin, postou um vídeo pró-vacina de 15 segundos no TikTok para chegar a seus pacientes adolescentes, com link no Twitter e no Facebook. Os antivacinas telefonaram para o consultório dela, chamando-a de pedófila e envenenadora de crianças. Ela recebeu ameaças de morte. A polícia patrulhou sua casa por vários dias.

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Ela também procurou o Shots Heard. "Eles foram inestimáveis", disse Baldwin, que acabou barrando cinco mil ataques apenas de sua página no Facebook.

Em Idaho, Bigford instalou câmeras de segurança e alertou os vizinhos para que procurassem carros desconhecidos. Sua esposa pediu que ele parasse de postar sobre vacinas. "Mas, se eu parar de postar, então as únicas pessoas falando sobre elas serão os antivacinas. Faz parte da nossa missão como cuidadores de saúde continuar falando sobre isso. Portanto, vou continuar", garantiu ele.

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