De repente o assunto começou a fazer parte das conversas, do ponto de ônibus aos programas de TV. O assédio sofrido por mulheres nas ruas, encarado como algo rotineiro, mas velado, começou a ser exposto. Em Blumenau as mulheres que já haviam começado a se manifestar contra as populares cantadas em setembro deste ano, com a adesão à campanha Oktober Sem Machismo, agora usam as redes sociais e a tecnologia de aplicativos e sites de denúncia para apontar os locais com maior incidência de abordagens. No site Chega de Fiu Fiu, 11 assédios foram sinalizados e no aplicativo Sai Pra Lá as denúncias passam de 37.

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O número seria ainda maior se todas, de alguma forma, denunciassem o assédio sofrido nas ruas. A vendedora que enquanto oferecia um produto na rua foi indagada se também vendia o corpo se calou. A gestante que ouviu estar ainda mais gostosa com aquela “barriguinha” se indignou, mas seguiu em frente. A mulher que sentiu medo porque um homem a perseguia desde o ponto de ônibus até a esquina de casa também emudeceu. Estes relatos são reais, de blumenaenses que não quiseram se identificar e, embora tenham se sentido invadidas, não levaram a história adiante.

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Apesar das mulheres não seguirem com as denúncias, segundo Georgia Faust, representante do coletivo feminista Casa da Mãe Joana, criado há dois anos em Blumenau, o assunto tem tomado força graças às redes sociais e sites, onde as mulheres têm se encontrado e se unido em prol de pautas em comum. Ela conta que não imaginava que mais de 800 mulheres se declaravam feministas na cidade, e nem saberia se a página do coletivo não existisse no Facebook.

– Apesar de eu não acreditar em “militância de Facebook”, pois acredito que as grandes mudanças vêm das ruas, ainda penso que a internet é uma ferramenta importantíssima de debate e articulação para os grupos minoritários – conta.

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Em tese, toda pessoa tem o direito de ir e vir, mas não há mulher que caminhe sozinha por uma rua pouco movimentada sem receio de ser assediada. Elas já estão habituadas a mudar de calçada quando encontram um grupo de homens pela frente, a pensar duas vezes na hora de escolher a roupa para ir a determinados locais e a se sentirem incomodadas ao ficar em um ponto de ônibus sozinhas à noite. Mas aos poucos estão mudando o comportamento e refletindo sobre as próprias atitudes.

– Ao longo do tempo percebi que não importa a roupa ou se você está mais arrumada, os assédios sempre acontecem – ressalta a estudante Maria Carolina Martini, 18 anos.

A psicóloga Christine Liz Moeller Gabel explica que historicamente as ruas e os espaços públicos são tidos como masculinos e o espaço privado, o lar e as atividades domésticas são vistas como femininas. A especialista explica que, por isso, alguns homens ainda se sentem à vontade para assediar mulheres.

– Importante frisar que esse assédio não é um elogio, nem uma valorização à mulher. Ele limita as liberdades individuais, fazendo inclusive com que algumas mulheres mudem seus hábitos, como evitar passar em algum local para não receber gracejos dos homens que lá trabalham – exemplifica.

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Em Blumenau o incômodo das mulheres perante estas atitudes ficou mais evidente com a adesão em setembro à campanha Oktober Sem Machismo, que surgiu para expor os abusos sofridos pelas mulheres durante a festa. Mais de 3,2 mil mulheres curtiram a página e muitas relataram abusos sofridos na Oktober.

– Tudo surgiu pelo sentimento geral de insegurança entre as mulheres e pelos casos que não são noticiados – resume Michele Greco, uma das criadoras.

Na internet

Oktober Sem Machismo

O coletivo feminista Casa da Mãe Joana, de Blumenau, criou a página no Facebook para combater o comportamento na festa.

Chega de Fiu Fiu

No site é possível cadastrar locais de assédio em qualquer lugar do país, compartilhar e tornar públicas histórias sobre violência contra a mulher.

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App SaiPraLá

O aplicativo mapeia os casos e mostra para as mulheres quais são os locais onde mais ocorrem assédios.

Vamos Juntas?

O movimento no Facebook Vamos Juntas? pretende unir as mulheres para que não deixem de fazer atividades por medo de assédio – verbal, físico ou sexual.

#PrimeiroAssédio

Milhares de pessoas usaram a hashtag para relatar a primeira vez que sofreram assédio sexual depois que uma participante do MasterChef infantil, de apenas 12 anos, sofreu uma onda de assédios virtuais. #MeuAmigoSecreto Criada espontaneamente nas redes sociais, a hashtag repercutiu na linha do tempo dos brasileiros, expondo atitudes machistas que passam despercebidas, aproveitando a brincadeira tradicional do fim de ano.