Quando o promotor Carlos Alberto Platt Nahas assumiu o cargo em Tijucas, em 1985, faltava pouco para que a Polícia Federal desmontasse a quadrilha responsável pela comercialização de recém-nascidos em Santa Catarina. Ele sequer podia imaginar que, meses depois, o município da Grande Florianópolis seria o epicentro do escândalo que ecoou em todo o mundo e resultou no afastamento de um juiz por suspeita de envolvimento no caso.

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Com a chegada de Nahas à promotoria de Tijucas, as investigações respingaram no juiz da comarca – que já morreu. O magistrado foi único em Santa Catarina a receber punição por facilitar os processos de adoção resultante da compra de bebês por estrangeiros. Hoje, no Fórum de Florianópolis, Nahas lembra que nos meses de investigação sofreu ameaças por telefone e chegou a receber escolta policial. O promotor foi acusado de antissemitismo em razão do sobrenome de origem árabe e sofreu com a pressão feita pelos envolvidos na investigação.

– Tive uma cruzada muito forte pelo afastamento do juiz. Na época, afastar um juiz era quase que impossível – lembra o promotor.

Nahas chegou à investigação por meio do colega então promotor titular de São João Batista, Antenor Chinato Ribeiro – hoje procurador de Justiça. Cumprindo o cargo de promotor substituto em Tijucas durante quatro meses, Chinato, alertado por um escrivão do Fórum, suspeitou do número de autorizações expedidas a estrangeiros para a retirada de bebês recém-adotados do país.

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Assista à entrevista com o promotor Carlos Alberto Nahas:

Na época, haviam sido emitidas mais de 40 adoções na comarca, principalmente em Bombinhas. Todas feitas por escritura pública firmada em cartório – chamada de adoção à brasileira – a maioria para casais de Israel. A prática, prevista no Código Civil desde 1916, facilitava os processos de adoções no Brasil e foi a principal aliada da quadrilha. O documento permitia que a Justiça só fosse envolvida na hora de autorizar a saída dos bebês do Brasil.

– O Código Civil permitia isso. Era um procedimento muito simples, só precisava do documento da adoção. O problema era que comércio que se criou por trás disso – explica Chinato.

A primeira medida foi notificar os cartórios com base no Provimento nº 28. Criado em 1984 pela Corregedoria do Estado, o documento dava indícios de que a Justiça suspeitava do comércio de bebês em Santa Catarina um ano antes de o caso vir à tona. O provimento formalizava regras para a adoção por estrangeiros e aproximava os processos do Judiciário.

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Por exemplo, exigia que a adoção internacional só seria concedida através de cartório “mediante sentença declaratória da situação irregular do menor e respectivo alvará e com a presença do curador especial designado pelo juiz para representar o menor”. Mesmo assim, o provimento perdia a força se o magistrado não acatasse as normas.

De acordo com o presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), Sérgio Luiz Junkes, se fosse comprovado envolvimento no comércio de bebês, o juiz poderia ser afastado permanentemente. Segundo Junkes, a legislação não sofreu alterações no que diz respeito à punição de magistrados. Entretanto, ele lembra que, respeitando as normas, a adoção por estrangeiros é bem-vinda pelo fato de preferirem crianças mais velhas que passam anos esperando por uma família.