Um jogo eletrônico em que o usuário é um proprietário de negros escravizados estava disponível até o início da tarde desta quarta-feira (24) na plataforma Google Play. O “Simulador de Escravidão” estimula o jogador a obter lucro e contratar guardas para evitar rebeliões. Havia até uma opção para que o usuário explorasse sexualmente as pessoas colocadas sob seu poder dentro do mundo virtual.
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O jogo mostrava imagens de pessoas acorrentadas, inclusive um homem negro, que aparecia coberto de grilhões em uma estética semelhante a um desenho animado. Na capa, uma gravura histórica retratava um homem branco em roupas elegantes ao lado de um homem negro escravizado seminu.
O “Simulador de Escravidão” tinha, segundo a própria plataforma, sido baixado mil vezes até esta manhã. Um desenvolvedor de nome Magnus Games apresenta-se como criador deste e de outros jogos disponíveis no Google Play. Os perfis nas redes sociais não permitem identificar qual seria a empresa ou pessoa por trás do produto. Ela não se posicionou até aqui.
Na capa do jogo, a Magnus Games diz que ele foi criado para “fins de entretenimento” e condenar a escravidão na vida real. Ele foi lançado na Google Play em 20 de abril, data reverenciada por grupos neonazistas por marcar o nascimento de Adolf Hitler e o massacre de Columbine.
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O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) publicou em sua conta no Twitter que entrará com representação no Ministério Público por crime de racismo pedindo a prisão dos responsáveis.
“A própria existência de algo tão bizarro à disposição nas plataformas mostra a urgência de regulação do ambiente digital”, escreveu o parlamentar.
A Promotoria em São Paulo confirmou na sequência ter instaurado procedimento para investigar o caso, por meio do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi).
Em nota, a Google diz que removeu o jogo de sua loja de aplicativos e que toma medidas para coibir a incitação ao ódio e violência.
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“Temos um conjunto robusto de políticas que visam manter os usuários seguros e que devem ser seguidas por todos os desenvolvedores. Não permitimos apps que promovam violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas”, ressalta a nota da empres
Racismo grosseiro
A historiadora e psicanalista Mariléa de Almeida diz ver “racismo grosseiro” no jogo.
— Naturalizando a escravização, a desumanização desses corpos negros, como se brincar e fazer um jogo, como se isso não tivesse efeito sobre as pessoas negras, identificadas na sua ancestralidade, mas sobretudo nas pessoas que estão jogando — enfatizou a pesquisadora, que faz parte da rede de Historiadorxs Negrxs.
Para a historiadora, o produto “reforça os estereótipos, usa de todo o estereótipo racial e da desumanização produzida pelo racismo para o conjunto da população negra para fazer um jogo”.
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A especialista lembra que o chamado racismo recreativo é uma conduta que foi tornada crime a partir de lei sancionada em janeiro que equiparou o crime de injúria racial ao de racismo.
Na avaliação de Mariléa, as pessoas ainda sentem que há espaço para esse tipo de conduta devido à construção histórica de que pessoas negras não são seres humanos iguais aos demais.
— Esse crime sustenta, do ponto de vista histórico, a naturalização de corpos negros como sendo desumanizados, objetificados. Essa mentalidade, que se expressa no próprio psiquismo que valida as pessoas se engajarem em um jogo desses, sem perceberem o horror. Sem sentirem um horror, um incômodo — acrescenta Mariléa.
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