Acordei com a incômoda sensação de perda de quem foi vítima de um furto no meio da noite.
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— Faça um boletim de ocorrência; mesmo que o objeto roubado não seja devolvido, você ficará em paz por não ter aceitado de forma passiva o que lhe foi imposto — disse o colega escolhido para ouvir o meu lamento.
— Mas adianta, se o que foi levado tem data prometida para retorno: 17 de fevereiro de 2018?
Indignado, meu interlocutor abandonou a conversa, alegando que eu estava exaltada à toa por causa de um simples empréstimo.
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— Discordo! — falei bem alto, para ver se alcançava seus ouvidos cada vez mais distantes.
Já não conseguia mais enxergá-lo quando dei seguimento à explicação dos motivos que não são só meus.
Primeiro, discordo porque, ao contrário do que acontece em situações clássicas de empréstimo, não serei ressarcida com juros e correção monetária — por exemplo, a devolução da hora surrupiada com mais uma extra, a título de compensação. É claro que isso não solucionaria o desconforto, mas daria uma amenizada na insatisfação.
Segundo (e bem pior): porque esta questão vai além. Um empréstimo (exceto os dados ao governo, sobre os quais não temos qualquer ingerência) não pode ser um ato compulsório; ao contrário, deve ser precedido de uma consulta prévia, com o devido consentimento — o que, duplamente, não houve.
Há um terceiro motivo — a meu ver, ainda mais grave: os danos morais desta agressão. Estudos mostram que cerca de 50% da população não conseguem se habituar ao horário de verão. Quem se inclui neste grupo sabe os efeitos de cor: cara de sono durante quatro meses, acompanhada de bocejos constrangedores em momentos de interação social; atrasos a compromissos matinais devido à dificuldade de estabelecer a mesma rotina com uma hora de antecedência e mau humor em virtude deste conjunto de inconvenientes.
Mas o sentimento pela hora que me falta é muito maior do que todos os aspectos tangíveis relacionados até aqui. Ele passa pelo misterioso campo das possibilidades não concretizadas, com a eterna dúvida do que poderia ter sido feito naquela hora que já nos encontrará muito diferentes quando de sua devolução.
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