Simone Gehrke: Dos prazeres da leitura

Engana-se quem pensa que somos apenas nós que lemos os livros. A recíproca é verdadeira: os livros também nos leem. Mais do que isso, eles nos procuram, observam e escolhem. Descobrem formas inusitadas de cruzar nossos caminhos, seduzir os olhos, magnetizar a atenção, despertar sentimentos que nos deixem como única alternativa mantê-los conosco. Às vezes por muitos anos, pois nem sempre o encontro dá-se no momento em que estamos prontos para ler e sermos lidos. Mas os livros têm fé (o dia há de vir) e contam com a rara virtude da paciência.

De fato, eles têm grande disposição para a espera; seja alojados em estantes, abandonados em uma gaveta do criado-mudo, esquecidos em alguma bagagem de mão que espera ainda ser útil numa próxima viagem. Ou arquivados em um dispositivo móvel, em meio a tantas distrações fúteis. Porque, acima de tudo, os livros acreditam em seu potencial de sedução. Intuem que, se alcançarem a sorte de sensibilizar seus escolhidos (e têm grande probabilidade de fazê-lo), garantirão sua presença em corações e mentes generosos de indivíduos cujas múltiplas conexões irão providenciar, a si e aos de sua espécie, uma vida longa de leitura recíproca.

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Os livros aguardam porque sabem que, assim que o momento da leitura chegar, o prazer há de justificar o tempo esperado. Quando finalmente se entregam ao deleite, os livros (como nós) são especialmente curiosos. Enquanto nós (indivíduos) somos envolvidos pelas palavras que se agrupam para contar uma história e suas muitas possibilidades, eles (livros) entretêm-se em interpretar nossas reações, decifrar sinais interiores e exteriores espalhados ao redor, auscultar sentimentos, divertir-se em adivinhar pensamentos ocultos nos indícios deixados ao longo da leitura.

É com essa cumplicidade que o leitor e os livros completam um ao outro; e hão de continuar nesta toada, independentemente de papiros, fascículos populares, edições de capa dura ou quaisquer outras plataformas tecnológicas que os coloquem em contato.