Uma das dores mais fortes do crescimento é descobrir que o mundo não é feito de mocinhos e bandidos. Dar-se conta de que estes estereótipos, que parecem pertencer a realidades distintas na infância, são duas faces — nem sempre tão distantes – de uma mesma persona.O lobo mau como oposição à Chapeuzinho Vermelho e à vovozinha, ou a madrasta diante de João e Maria são apenas versões maniqueístas de histórias antigas que postergam este entendimento (para lá de inconveniente) que a partir de algum momento temos que encarar: de boas e de más ações e intenções, todos somos feitos um pouco, dando espaço a umas ou às outras dependendo das circunstâncias que nos envolvem.
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Por alguns anos, ouvi o meu caçula perguntar, fazendo ouvidos moucos às minhas ponderações:
– Mas mãe, no fundo, no fundo, esta pessoa (ou este personagem) é do bem ou é do mal?
Naquela época, os ataques terroristas não aconteciam com tanta frequência nas ruas das grandes cidades da Europa, seguidos de ampla cobertura nos noticiários da televisão (e de muitos debates em família). Imagino que seria difícil estabelecer este tipo de conversa sobre a índole humana tendo como sujeito os terroristas da Al-Qaeda e do Estado Islâmico.
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E se fosse hoje e eu ainda tivesse que explicar a forte ligação destes indivíduos com formas artísticas como a poesia, fato que se torna de conhecimento público com o recém-lançado livro “Jihadi Culture: the Art and Social Practices of Militant Islamists” (Cultura jihadista: a arte e as práticas sociais dos militantes islamitas, em tradução livre)? A obra, que reúne artigos acadêmicos editados pelo norueguês Thomas Hegghammer (um dos maiores estudiosos sobre o jihadismo), coloca em pauta um desafio controverso até para as mentes já crescidas.
Como compreender que a emoção da poesia possa fazer par com a razão extremista? Como imaginar que possa persistir algum tipo de sensibilidade por trás de uma postura radical e sanguinária? Como aceitar que o mesmo ser humano que busca palavras para seduzir possa se orgulhar de também empunhar armas para matar?