Acordar cedo não faz parte da rotina de Odete Isabel da Silva. No último 24 de novembro, porém, a senhora de 80 anos abriu os olhos às sete horas da manhã. Quarenta minutos após levantar da cama, gritos de socorro passaram a tirar seu sono naquele e nos dias seguintes. Os gritos eram de Janaina, Brenda e Bryan da Silva Teixeira; mãe, filha e filho; de 28, 6 e 8 anos, respectivamente.
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As pessoas de mesmo sobrenome foram vítimas das chamas que derrubaram móveis, paredes e três vidas. A família Teixeira estava dentro de uma casa de madeira, que fica em vielas à esquerda da Rua João de Souza Mello e Alvim, na região da Vigorelli, Zona Norte de Joinville, tomada por um incêndio. Os sons emitidos pela mãe e filhos ainda ecoam nos ouvidos de dona Odete, vizinha deles.
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— Gritos horrorosos. Ela pedia socorro a cada segundo, por três vezes. De repente deu um estouro, não sabemos o que foi. Mas não deu tempo para nada. Não dava nem pra chegar perto, o fogo saia pelas frestas da casa — conta, com os olhos em lágrimas desde a primeira palavra.
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Desesperados, Odete e o filho ficaram sem rumo entre ver os vizinhos nas chamas e o risco da própria casa também incendiar. A dupla, então, optou por salvar o teto de pouco investimento, que se mantém de pé a base de madeiras e esperanças.
— Voltamos para casa. O meu filho começou a tirar o botijão, o gerador cheio de gasolina, a televisão e o carro. Ficamos com medo do fogo vir para nossa casa. Eu fiquei desesperada, o mundo caiu vendo duas crianças morrerem de repente, com toda a saúde — relembra.
Quem viveu a mesma cena foi Rosemary Santos, de 62 anos. Ela, por sua vez, começou as primeiras horas do dia fazendo o seu ritual: levantar, lavar o rosto, preparar o café e assistir o jornal na televisão. Naquele dia, os gritos também tomaram conta da sua programação.
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— Pensei que alguém estava brigando. Mas quando cheguei na casa dela, vi o fogo muito alto. Tenho uma mangueira, mas ela não chegava até lá, agora fico pensando muito nisso e no que eu poderia ter feito. Eu deveria ter assistido menos televisão — reflete, num tom culposo de quem não tem responsabilidade.
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Dias após o doloroso episódio, Rosemary se emociona ao lembrar de Bryan e Brenda brincando com as outras crianças da rua e de uma canção que o garoto cantou, dias antes, para Miguel, um outro menino da região: “Hoje eu estou aqui, amanhã eu não estou mais”.
— O Bryan gostava muito de jogar videogame. A Brenda era mais queitinha. Brincava também com as crianças, muito sorridente, cabelo comprido. As crianças estão tristes, chorosas. Algumas estão tomando remédio para os nervos — compartilha.
Beijinhos para lá e pra cá
Descrita como uma pessoa trabalhadora e maravilhosa, Janaina era casada e o marido estava trabalhando no momento do incêndio. Odete lembra que a convivência do casal e dos filhos era exemplar, com carinho e amor preenchendo o peito da família.
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— Era beijinho para lá, beijinho pra cá. A convivência era maravilhosa, não se via brigas entre eles. Estamos muito tristes, estou abalada de tal forma que só hoje consegui comer um pouco de macarrão. Não tenho fome, perdi o sono. Está sendo brabo pra mim ficar aqui. A gente se dava bem, assim a perda é mais profunda, é mais dolorida — aperta as palavras.
Rosemary reforça a relação afetiva que tinha com a família.
— A Janaina era muito trabalhadora, sempre com o sorriso no rosto. Nunca estava triste. Muito querida, esforçada. Ia de bicicleta ou a pé para o trabalho para não perder o horário — destaca.
A tristeza dói em silêncio
Com os moradores ainda em lágrimas e doloridos pela tragédia, Odete e Rosemary ainda tentam encontrar forças em meio à enorme tristeza. O silêncio profundo na região comprova que os dias são longos onde uma casa, agora, se mistura com a lama, restos de madeira, roupas, bicicletas e cabelo da mãe e crianças.
— É um silêncio muito grande, fora do comum. A gente não vê ninguém caminhando, não ouço um grito, um silêncio total, uma coisa estranha, não vejo mais nada. Até as crianças estão quietas, pensativas, não foram mais brincar na pracinha. Eu não gosto nem de olhar para a casa delas, do tanto que eu estou sentindo e quanto tempo mais vou ficar por aqui para sentir isso — desabafa Odete, com lágrimas pingando sobre as mãos e a roupa.
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A senhora de 80 anos coleciona dores e perdas. Em Cruz Alta, no dia 22 de outubro de 1978, teve a mãe assassinada com golpes de machado na cabeça. Em 2016, já em Joinville, teve o seu filho assassinado com dez tiros. Até hoje ela diz não saber porque os dois foram mortos.
A perda de Janaina, Brenda e Bryan se assemelham e se somam às mortes passadas do círculo afetivo da idosa. Com quase nada de objetos materiais para chamar de seu, as imagens marcantes de despedida cruéis ficam cravadas nas lembranças de Odete.
— Quando apagaram o fogo é que viram a Janaina abraçada com os dois filhos. É igual o caso da minha família, não sabemos de nada sobre os motivos e como isso aconteceu — finaliza.
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