Pelo aspecto físico é difícil perceber, mas Shirley Mallmann mudou. E para melhor. A menina que deixou o interior do Rio Grande do Sul em 1995 sem nunca ter folheado uma revista de moda deu espaço para uma mulher confiante, que fala com propriedade e intimidade de nomes como Karl Lagerfeld e Alexander McQueen. Shirley diz que não é nada complicado definir o que a diferencia da guria de antes descoberta atrás de uma máquina de costura em uma fábrica de calçados em Lajeado para a mulher de agora top model de carreira consolidada, mãe de Axil, 10 anos, e Zig, quatro: maternidade e maturidade.

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É uma pessoa leve, em paz com a vida e possui características alheias a estrelas de primeira grandeza. O voo que a traria de Nova York, onde vive com o marido, Zaiya, e os filhos atrasou cinco horas. Ela perdeu a conexão para Porto Alegre e foi obrigada a dormir no aeroporto. Na chegada à Capital, partiu sem escalas para o estúdio do fotógrafo Jean Pierre Kruze. Passou o dia no maior bom humor, clicando a campanha da joalheria Coliseu. A maratona não deu motivo para nenhum estresse de bastidores – algo tão inerente a este mundinho fashion. Simpática com todos, Shirley mostrou-se extremamente à vontade no corpo desta nova personagem: a top model que retoma sua carreira após uma longa e merecida pausa para priorizar a família.

* Confira vídeo dos bastidores da foto de capa:

O mercado da moda reverencia o retorno de Shirley Mallmann. No ano passado, ao esboçar a vontade de voltar às passarelas, foi imediatamente escalada para os desfiles de moda praia das grifes Cia. Marítima, Lenny e Blue Man. Estilistas se apressam para contratá-la para suas campanhas publicitárias. Além da Coliseu, Shirley protagoniza também as campanhas das grifes TVZ, Alphorria, Euro, Miss Mano e Barnaby. Foi capa da edição de março da revista IstoÉ Gente ao lado das tops Ana Claudia Michels e Lea T. em uma reportagem em que o enfant terrible da moda nacional, Alexandre Herchcovitch, traduzia o belo e suas diferenças.

– Está sendo uma delícia voltar! – ela comemora.

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Apesar da euforia, mantém o pé no freio. Com 36 anos de idade e quase duas décadas de carreira, não vive nem quer viver mais em função do trabalho. Aprendeu a separar o lado pessoal do profissional – e gerencia as duas facetas com maestria. Prova irrefutável do aprendizado foi sentida momentos antes de subir na passarela da SP Fashion Week: recebeu uma ligação de casa avisando que um dos filhos havia apertado o dedo na porta, perdido a unha e chorava muito de dor.

– Eu queria cancelar tudo – lembra – Quando meu lado mãe entra em cena, esqueço todo o resto. Na hora, eu pensava: “Meu filho está no hospital e eu aqui provando roupas?”. Shirley é sinônimo de família – razão principal que a levou a diminuir o ritmo há 10 anos, quando engravidou de Axil. Quando Zig, o caçula, completou quatro, sentiu-se mais segura para retomar a rotina de viagens, passarelas e estúdios. Mas permanece no máximo sete dias fora de casa, e reveza a guarda dos pequenos com o marido, renomado cabeleireiro de moda, que também atravessa os cinco continentes em variadas produções.

– Quando o Axil nasceu, eu tinha 25 anos, e as minhas prioridades mudaram. Passei a pensar no que era melhor para ele. E era ficar em casa. Neste tempo, eu até trabalhei um pouco em Nova York, mas nada que me tirasse de perto deles.

Sobre o que ficou para trás, há pouco do que se arrepender. A modelo só sente não ter chegado aos Estados Unidos com mais ideia do que era a moda internacional e todo o circo em seu entorno. Quando deixou o Brasil, o acesso à internet não era banal e não havia muitas colegas brasileiras vivendo fora do país. A saída da gaúcha para o Exterior era uma novidade até para as agências nacionais, que não puderam ajudá-la com dicas do que a esperava lá fora.

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– Foi muito difícil no começo. Não só em relação ao trabalho, mas pelas inúmeras viagens e pela cultura também. Se fosse hoje, eu teria estudado e me preparado, evitando várias gafes.

Gafes das quais ela aprendeu a rir. Aliás, esta é outra característica cativante de Shirley: a arte de rir de si mesma. Um desses sorrisos ela concede ao lembrar da recusa em posar para a grife de lingerie Victoria?s Secret, sonho de qualquer aspirante à modelo.

– Recusei trabalhos por pura e simples vergonha.

A Shirley de Lajeado

Para Shirley Mallmann é frustrante vir ao Brasil e não visitar Lajeado. Quando está em Porto Alegre a trabalho, sempre dá um jeito de escapar para a cidade que testemunhou o início de toda sua transformação. O que mais gosta de fazer quando está por lá? Ela oferece um sorriso de cumplicidade para a irmã Ana Paula. Às gargalhadas, responde:

– Nada!

Em Lajeado, de volta às origens, vive de pernas para cima. Adora cultivar o hábito do chimarrão e abusa de cuca e churrasco para detonar qualquer dieta. Garante que nada mudou na casa em que se criou ao lado dos três irmãos: Ana Paula, Leandro e Veridiana. Vem de Ana Paula a denúncia:

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– Quando a mãe sabe que ela está vindo, já começa a preparar o cardápio. Faz até torta.

E a prova de que mãe é mãe, independentemente de profissão ou lugar do mundo, dona Maria repete incansavelmente para a top model:

– Tem que comer mais, minha filha. Estás muito magrinha.

Uma programação é fixa na rotina lajeadense: assistir aos shows do irmão e músico Leandro Mallmann.

– Sou a maior fã dele e sempre arrumo um jeito de prestigiá-lo.

A Shirley de Nova York

Shirley Mallmann mora em Nova York há 17 anos. Mas não na Big Apple verticalizada, com cerca de 8 milhões de habitantes, grifes da Quinta Avenida, diferenças culturais da Times Square e relógios que nunca param. A NY de Shirley dorme. E tem até praia. A família preferiu morar em Long Island, região que fica cerca de duas horas de Manhattan.

É lá que a vida acontece para o casal e os filhos. A modelo cultiva hábitos do interior. Acorda cedo, cuida do café da manhã das crianças e organiza a ida para a escola do mais velho. Investe para que os meninos tenham uma alimentação saudável – luta bravamente contra o fast food americano e ajuda ambos nas tarefas e temas de casa. Quando a temperatura aumenta, frequentam a praia, período do ano preferido pela família.

Apesar dessa dedicação doméstica, Shirley não deixou o trabalho totalmente de lado desde que se tornou mãe. Deu suas escapadas para desfiles relâmpago e conquistou clientes fiéis, como a Macy?s, principal loja de departamentos dos Estados Unidos.

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– Tenho sorte de ter esse look comercial americano que me garantiu campanhas até quando eu estava grávida – comemora.

No entanto, sonha mesmo em voltar a morar no Brasil. Mas é consciente de que o plano vai além de colocar as roupas em uma mala e comprar uma passagem só de ida.

– Não tem como pegar uma família de quatro pessoas de uma hora para outra e fazer uma mudança assim. Mas estou trabalhando em cima disso.

Vem aí, quem sabe, um novo capítulo do retorno da top.

Café com açúcar

Na pausa do ensaio fotográfico para a campanha da joalheria Coliseu, em Porto Alegre, alguém da produção ofereceu um cafezinho para Shirley Mallmann. Ela prontamente respondeu:

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– Com açúcar, por favor.

Não é chegada a dietas rigorosas para manter a balança de acordo com os padrões da moda. Ok, Shirley é dona de uma genética generosa, mas isso não impede que tome certos cuidados básicos. Evita frituras, tenta não comer fora de horário e não costuma pedir o cardápio de sobremesas. Também foge do sol para cuidar da pele. Já com a academia, trava uma briga ferrenha. Procura manter uma rotina de exercícios, mas com dificuldades. Diverte-se ao relatar um episódio recente:

– Antes do desfile da Elle Summer, me dei conta que não ia à academia há tempos e resolvi malhar. Fiz exercícios durante uma hora. À noite, não conseguia me mexer de tanta dor no corpo – diverte-se.

“Ela está cada vez melhor”

“Conheci a Shirley em um trabalho há 14 anos. Ela já era a top internacional que encantou o mundo da moda. Eu era modelo e estávamos filmando em Porto Alegre. Ela sempre atenciosa e gentil com todos, e como meu agente a conhecia desde seus primeiros passos nas passarelas, acabamos ficando amigos.

Na época eu já tinha pretensões de fotografar moda e mantivemos contato. Ela me deu muitas dicas e referências. Fotografamos algumas vezes, mas com o passar do tempo e o fato de ela ser mãe, não sei de que forma isso trouxe uma nova Shirley, mais mulher e inacreditavelmente mais linda.

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A Shirley está cada vez melhor como modelo e como pessoa. Fotografar ela é incrível! É único, pois ela se doa para as lentes como nenhuma modelo, e assim como faz a mulher, faz a menininha, a andrógina, a fashion e a comercial. Ela interpreta o conceito da foto assumindo personagens diferentes para cada proposta, o que torna o trabalho muito mais fácil e gratificante. Ela é um camaleão da moda, uma lenda viva que a cada ensaio tem mais e mais para mostrar e oferecer e nos encantar com sua beleza, versatilidade e, principalmente, sua evolução profissional e pessoal.”

Jean Pierre Kruze | fotógrafo