Embora não esconda a tristeza de deixar o local após 57 anos, o comerciante do box 1 do Mercado de Florianópolis, Alvim Nelson Fernandez da Luz, diz ter planos – sem revelar o local – para continuar o trabalho iniciado pelo pai. Ele não venceu nenhuma das duas licitações realizadas pela prefeitura para reorganizar o espaço após as obras de restauro e terá que sair em 2014.
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Sem ter saído vencedor em nenhuma das duas licitações para o Mercado Público de Florianópolis, só resta ao ocupante do box número 1 o clima de despedida. Aos 72 anos, Alvim Nelson Fernandez da Luz não consegue esconder a tristeza ao imaginar o fechamento definitivo das portas do bar herdado do pai. Enquanto o tempo corre – a administração estima que parte da ala sul será fechada em abril de 2014 -, ele continua a rotina oferecendo a gastronomia certificada pelos prêmios que estão espalhados ao longo do balcão.
Na primeira concorrência realizada pela prefeitura a proposta do ocupante do box 1 não superou a dos concorrentes. Na segunda licitação, Alvim alega ter encaminhado os documentos corretamente. No entanto, o secretário adjunto de Administração Ivan Grave informou que o comerciante não apresentou a certidão exigida no edital. O recurso de Alvim não foi aceito pela comissão de licitação. Grave disse que outros recursos foram aceitos, mas de concorrentes em situações diferentes de Alvim.
Ao observar as fotos antigas do Mercado Público, de um tempo em que a água batia na porta do box comprado pelo pai há mais de 57 anos, ele recorda dos amigos que conheceu no bar e que perdeu prematuramente. As amizades foram o maior presente, segundo ele. E de tão profundo o sentimento, Alvim pensa, mas não consegue citar apenas um momento positivo que fez parte da trajetória no local. Diz que tem medo de esquecer de nomes importantes, de ser injusto com alguém que o ajudou nesse período.
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Mas, em poucas falas, Alvim demonstra a possibilidade de continuidade, pois conta com clientes fiéis. Já tem em vista um novo espaço, mas não quis revelar onde seria. Quer deixar um legado para o neto, mesmo que não seja o presente que seu pai lhe deu.
Obras na ala norte continuam
A ala norte foi interditada no dia 18 de novembro, quando os antigos comerciantes iniciaram a retirada de mercadorias dos boxes. A empresa JK Engenharia, vencedora da licitação, colocou um tapume em volta da ala e na semana passada instalou cercas elétricas para evitar furto de materiais da reforma do prédio histórico.
Até março de 2014, a ala ficará fechada e as empresas vencedoras da licitação poderão fazer adaptações em seus espaços. Durante toda a temporada de verão a ala sul permanecerá atendendo normalmente. A previsão é de que as obras de recuperação iniciem em abril na parte sul, quando a ala norte será reaberta. Só então os antigos comerciantes terão que deixar os espaços para a empresa iniciar o serviço.
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A prefeitura ainda não divulgou quem serão os primeiros comerciantes a terem que desocupar o local. Em julho de 2014 a obra deve ser finalizada.
“Vou tocar a vida diferente, partir para outra”
Diário Catarinense – Como foi a chegada ao Mercado Público há 57 anos?
Alvim Nelson Fernandez da Luz – Estou aqui há 57 anos só. O meu pai comprou o box da prefeitura. Meu pai tinha um bar perto da rodoviária e em 1953 ou 1954 ele comprou esse box. Comprou, mas não assumiu de imediato. Ele queria quitar antes de entrar, achou que não ia conseguir pagar, mas deu. Fiquei efetivo de 1960 para cá. Tenho sete irmãos, mas só eu e a Ana (Spinoza) trabalhamos hoje aqui.
DC – Como era o Mercado quando você trabalhava com seu pai?
Alvim – A água batia quase na porta. Quando dava vento sul entrava no box. Todo mundo se conhecia. Não tinha um que entrasse no Mercado que nós não conhecêssemos. Faz só 15 anos que o box é um bar, antes era uma fiambreria. Meu pai trabalhava com carne. Mas os amigos pediam pra ser um boteco, então mudamos. Foi uma das escolhas mais bem-feitas que eu fiz no mundo. Foi uma mudança muito grande. Mesmo com o boteco eu vendia muita carne, até hoje vendo.
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DC – O senhor acha que o processo deveria ter sido feito de outra maneira?
Alvim – Claro! Podiam ter chamado os mais velhos, terem dito que fariam uma reforma, que precisariam adequar. Acertando o preço do box, tudo bem. Agora que força tenho eu para começar tudo de novo? Não tenho mais força. Estou com 72 anos. Nos tiraram como cachorros. Esse aqui do box 62, um dos mais antigos no Mercado, teve até um infarto quando recebeu a notícia. Eu vou tocar a vida diferente, partir pra outra coisa. Eu ia deixar o box para o meu neto. Ia ficar mais uns cinco anos, porque tenho muita vontade ainda, mas não deu.
DC – Já tem planos para o futuro?
Alvim – Tinha uma casa prontinha pra fazer uma reforma e entrar, mas vai ficar pronta em um ano. Vou fazer um bar e restaurante. É a uns 500 metros daqui.
DC – Do que mais sentirá saudades quando sair do Mercado?
Alvim – De estar com os amigos. Todo dia eu venho aqui. Sou o primeiro a chegar e o último a sair. Tem horas que isso aqui fica lotado até o pescoço, uma loucura. O pessoal gosta muito do pastel de bacalhau e de camarão, berbigão. Vou sentir muita falta.
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