Seis meses de pandemia da Covid-19 no Brasil e o setor de eventos está deixando definitivamente o coma. Há inegáveis sequelas e ainda vai levar tempo para retomar patamares recentes, mas vigoram aqui e ali iniciativas que são como as primeiras mudas a surgir no terreno queimado. Por trás desse reflorescer estão os eventos híbridos, formato que alia online e offline na relação com o público e que tem se firmado como o adubo salvador da lavoura.
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Até o início de março, o modelo ainda era encarado como tendência por players experientes do mercado. Tratava-se de um serviço opcional, subestimado na maioria das propostas oferecidas às empresas.
Entretanto, a crise acelerou em meses uma transformação que era esperada para se desenrolar por anos e os eventos híbridos ganharam status de carros-chefe nos catálogos dos promotores e casas de espetáculos.
Produtora de shows há mais de 30 anos e representante em Santa Catarina da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrace), Eveline Orth acredita que o tempo dos eventos fechados, sem transmissão para um público externo, ficará para trás.
— A pandemia atingiu o setor no código do seu DNA: a aglomeração e a presença ao vivo. Foi um baque terrível. Aos poucos, os profissionais começam a experimentar novas tecnologias que ampliam as possibilidades de entreter o público e que dificilmente serão descartadas num cenário pós-vacina — observou.
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Lives, drive-in e estúdio futurista
Eventos híbridos são comuns no ecossistema corporativo brasileiro há anos. Seja por webinários com palestrantes remotos, reuniões por videoconferência ou até pelos multi hub meeting, médias e grandes empresas já investiam no formato para posicionar marcas, lançar produtos ou engajar colaboradores.
Em pesquisa de 2019, conduzida pela especialista Vanessa Martin, 83% dos entrevistados responderam que já empregaram ferramentas do mundo virtual em congressos, simpósios e convenções. Uma realidade que a Arena Petry, por exemplo, precisou encarar enquanto adiava toda agenda do ano para 2021. A casa abriu as portas para que marcas dialogassem com seus respectivos parceiros, clientes e funcionários.
— Tínhamos o público próximo da gente e nossa relação era baseada nesse contato. A partir do desafio imposto pelo fechamento total, tivemos que ampliar nossa visão para aproveitar oportunidades — contou Tânia Egert Petry, gerente comercial do empreendimento.
Depois de experiências com lives com artistas locais e sessões com drive-in, o centro de eventos decidiu apostar num estúdio robusto para uso de empresas. Um espaço de 420 metros quadrados com telões de LED e equipamentos que garantem transmissão em FullHD e qualidade de streaming.
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— Embora as lives tenham estimulado os processos de digitalização, o modelo caiu em declínio rapidamente. Ao mesmo tempo, a comunicação institucional dentro da nova cultura de home-office foi sendo esvaziada, o que apontou uma possível demanda. Sem tempo para muita análise de risco, decidimos convocar parceiros, apostar na ideia e o resultado veio antes do esperado, com agendamentos até o fim do ano — disse Tânia.
A procura por soluções que ofereçam estrutura e recursos para comunicação online e offline tornou-se mais intensa há pouco mais de dois meses. Promotor de eventos há 20 anos, Alisson Barcelos abriu, ainda em abril, um estúdio 360° para atender eventos híbridos. O profissional conta que enfrentou resistência para convencer os empresários a utilizarem sua estrutura.
— Muitos acreditavam que os eventos presenciais iriam voltar rapidamente e mantiveram a comunicação restrita a lives ou webchamadas — comenta.
Para o produtor, o modelo híbrido veio pra ficar e é questão de tempo para que até as empresas mais conservadoras despertem para as vantagens.
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— As pessoas se dizem digitais, mas a cultura ainda não é. Esse é o próximo desafio e cabe às empresas moldarem esse padrão de consumo — completou.
Os benefícios constatados por quem realiza esse tipo de evento vão desde a quebra da barreira geográfica, com participação de talkers e público de qualquer parte do mundo, até as possibilidades de interação e coleta de dados da audiência.
O show não pode parar
Um dado curioso do estudo efetuado em 2019, feito com clientes dos setores de indústria e serviços, além de agências e produtoras, apontou que festivais e shows eram os eventos que menos exploravam as possibilidades da aliança entre on e off. Com a pandemia, as lives em Youtube ou Instagram foram a solução imediata para que artistas mantivessem contato com o público. Privados da chance de subir ao palco, não demorou para que todo tipo de músico ou banda estivesse recorrendo à alternativa.
Entretanto, em seis meses o modelo tem apresentado queda. Mas o excesso de eventos desse tipo pode não ser a única explicação para o desgaste, segundo analisa Barcelos.
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— A onda de lives tinha o intuito de expor marcas e produtos, onde o público era visto como um consumidor em potencial e o evento não tinha qualquer intuito em conectar a plateia de casa com o cantor ou banda — observa ele, que abriu seu negócio ao ecossistema de startups de Florianópolis.
Uma situação que Bruno Ribas vinha prevendo. Em janeiro, o promotor de eventos desacelerou os compromissos de sua empresa e passou a estudar análise de dados no setor de eventos híbridos. Lançado durante a pandemia, a Event Mining tem chamado a atenção do como uma das principais novidade em termos de ferramentas para conexão com o público e tem gerado interesse em mercados China, Estados Unidos e Europa.
A nova tecnologia coleta e interpreta o sentimento do público em relação à transmissão em tempo real e consegue sugerir melhorias para engajamento da audiência, independente da plataforma.
— Medimos as reações e oscilações na audiência para direcionar na hora as decisões da produção, seja cortando a fala de alguém, facilitando a comunicação direta do apresentador com a plateia ou até estimulando a participação, com perguntas-chave — explicou.
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Para ilustrar uma das possibilidades, em um show promovido em parceria com o próprio Alisson Barcelos, voltado ao público interno de uma empresa, o programa identificou que os participantes estavam se dispersando durante a fala dos diretores da companhia. Com esse sinal, a banda foi convidada a retomar o som, citando nomes de quem havia pedido canções do repertório.
— Não demorou e a audiência voltou a interagir e, mais do que isso, cresceu o número de participantes, que tentavam encaixar seus pedidos", contou Ribas. "Percebemos um sentimento de fã que contagiou a banda e aproximou as duas pontas, o que não acontecia nas lives de antes — observou Barcelos.
A parceria entre a tecnologia de Ribas e a tradição de Barcelos retrata o momento atual de um setor em acelerada transformação, onde vigoram parcerias e experimentações entre prestadores de serviço, sem perder o foco na qualidade das trocas com o público.
Novas experiências
Nesse cenário de propor novas experiências e promover eventos apostando nos diferenciais da tecnologia, a Confraria Itapema também se adapta. Consagrado há 12 anos por reunir amantes do vinho, gastronomia e boa música, o evento da rádio mais charmosa de Floripa retorna em 2020 mantendo-se fiel ao seu propósito e estreando formato inédito: a confraria leva até a casa de cada convidado uma experiência que só a Itapema pode proporcionar.
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A proposta é acompanhar a tendência dos eventos híbridos, com uma programação off e online. Enquanto o evento ao vivo, online, proporciona entretenimento com música e bate-papo com os comunicadores Pedro Leite e Leo Coelho, os convidados preparam o jantar em suas casas, guiados por chefs de renome que selecionaram as receitas dos cinco eventos agendados para este ano.