Bastam cinco minutos de conversa com Júlio Zendron Müller para perceber a veia empreendedora. Aos 22 anos, o rapaz que sempre quis ter um negócio próprio já tinha trabalhado como corretor de imóveis e representante comercial de um software. Sem trabalho, ingressou no Entra21, projeto do Blusoft, entidade que reúne as principais empresas de tecnologia da informação de Blumenau, com apoio da prefeitura e do governo do Estado.

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O programa transforma adolescentes em potenciais trabalhadores de um mercado que reúne 1,2 mil empresas em Blumenau e com estimativa de 12 mil empregos. Um setor que, mesmo em meio à crise, obtém crescimento médio de 20% ao ano e que, por ser uma área mais qualificada, permite ascensão social rápida. Outras ações oferecidas por instituições como IFSC e Instituto Gene completam o quadro de desenvolvimento de profissionais do segmento na região.

O setor de tecnologia também é um dos cinco eixos do Plano de Desenvolvimento Econômico do Município, que define áreas que devem nortear a busca da expansão econômica na cidade. O crescimento do setor aumenta a pressão pela chamada Lei da Inovação municipal, que pode oferecer benefícios para empresas de tecnologia no início da trajetória no mercado.

A inovação também é um dos sete pilares analisados no Índice de Cidades Empreendedora 2017, levantamento feito pela Endeavor divulgado na sexta-feira. Ao todo o ranking mapeia 32 cidades brasileiras. Blumenau foi a que mais subiu no ranking geral e no fator de Inovação.

A análise deste pilar leva em conta, entre outros pontos, número de mestres e doutores em tecnologia, investimentos do BNDES e Finep, além de infraestrutura tecnológica e empresas com patente e software próprios. Blumenau foi a única cidade catarinense que cresceu no quesito e ocupa o quarto lugar, atrás de Florianópolis, São José do Campos e Rio de Janeiro.

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Foi o aprendizado sobre esse segmento, com lições de trabalho em equipe, gestão de projetos e programação, que permitiram que Júlio Müller descobrisse que estava na área de TI o futuro dele. Trabalhou seis meses como programador de aplicativos Android em uma empresa da cidade, e, aos 24 anos, lidera com dois sócios e dois funcionários a Wesy. A empresa foi fundada há um ano e meio e desenvolve aplicativos e sistemas que unem internet e mobile, como o WeMob, voltado às imobiliárias.

– Quando pequeno, sempre me disseram que eu era criativo, fora da caixa. Eu achava isso um pouco ruim, que era algo de maluco. Hoje, vejo que tinha outra conotação, e que é legal ser um pouco maluco, ter essa característica criativa – conta o jovem, que sempre viu o curso como oportunidade pelo fato de ser gratuito e custeado por empresas do setor.

Da agronomia à tecnologia

Com Webster Fievre, a experiência foi ainda mais transformadora. O haitiano desembarcou em Blumenau em 2014 e trabalhava como professor de idiomas. O poliglotismo sempre foi um diferencial do rapaz de 28 anos. Ajudou-o a conseguir um emprego temporário como garçom na Oktoberfest de 2015. Depois que participou da turma exclusiva de haitianos do Entra 21, há dois anos, a habilidade adquirida em programação e o domínio de sete idiomas – inglês, francês, espanhol, alemão, italiano, português e crioulo – fez brilharem os olhos de recrutadores de uma multinacional alemã de Blumenau, onde trabalha como programador há sete meses. Webster é formado em Engenharia Agrônoma e não conhecia nada de tecnologia, mas agora cursa Engenharia de Software e planeja continuar a carreira na tecnologia:

– Posso dizer que essa oportunidade mudou a minha vida. É uma saída para muitos jovens que querem crescer na profissão. A área está evoluindo muito, tem um papel crucial na vida de todos. Você imaginou sua vida sem o celular, o computador, o cartão do banco, as redes, o telefone, o raio-x em um hospital? Isso tudo é TI, sem TI não há vida.

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O SETOR EM NÚMEROS:

1,2 mil empresas

12 mil empregos

20% de crescimento ao ano, em média

Maior arrecadador de ISS em Blumenau

Formação para um mercado de 12 mil empregos

O Entra21 é um exemplo de oportunidades que capacitam os jovens para um mercado forte e mais qualificado em Blumenau, com bons salários e possibilidades de ascensão na carreira – o salário inicial, após estágios, costuma ser de R$ 1.350 e o vencimento médio de um programador gira em torno de R$ 2,5 mil. Hoje o setor de TI tem cerca de 1,2 mil empresas na cidade, sendo mais de 700 voltadas a desenvolvimento de sistemas, com salários mais altos. A estimativa do Blusoft e da prefeitura é que o segmento gere até 12 mil empregos diretos.

Além disso, a tecnologia é o maior arrecadador de Imposto Sobre Serviço (ISS) na cidade e com uma média de crescimento de 20% ao ano mesmo em meio ao momento de adversidades financeiras do país.

– A TI possibilita para o jovem um crescimento rápido. Ele sendo de baixa renda, entrando numa empresa, em seis meses já ganha mais que o pai ou a mãe. A ascensão do jovem é meteórica. Depois, estando na área, claro que ele tem de continuar investindo em si mesmo, mas a maioria das empresas também ajuda ou paga totalmente a faculdade – pontua Sérgio Tomio, consultor do Blusoft e coordenador-geral do Entra21.

É preciso voltar um pouco no tempo para entender a história do setor de TI em Blumenau e como a cidade se tornou uma referência nesse setor, situando-se entre os 10 maiores polos do país, capaz de abrigar e formar a própria mão de obra. Nos anos 1970, grupo de cerca de 10 empresas têxteis do município montou uma central para reunir os serviços dos setores de tecnologia. O Centro Eletrônico da Indústria Têxtil (Cetil) cresceu, virou uma empresa independente que oferecia sistemas com serviços como emissão de carnês para prefeituras e chegou a ser o maior bureau da América Latina. Do Cetil saíram muitos talentos que montaram outras empresas e chegaram a dar à cidade por algum tempo a fama de ter mais empresas de tecnologia do que padarias.

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O setor cresceu, assistiu a fusões de empresas, se profissionalizou, mas sofreu com a falta de mão de obra. No início dos anos 2000, empresas de tecnologia disputavam de forma acirrada profissionais da área, mais escassos do que em outros setores por exigir um conhecimento específico. Isso diminuía produtividade e elevava custos. A resposta para esse problema surgiu tão rápido quanto são as novidades do mercado de tecnologia. Um programa internacional com apoio financeiro de grandes nomes da informática oferecia verba para entidades que formassem mão de obra com pessoas de baixa renda. O aporte inicial de US$ 310 mil, conquistado após a ideia concorrer com outras 34 iniciativas da América Latina, somado a mais U$$ 190 mil levantados com empresas e poder público locais, deu o pontapé inicial que inspirou a criação do Entra21.

– É como se fosse uma ponte. Do lado de lá tem um monte de mão de obra disponível. Do lado de cá tem empresas necessitando. E tem um abismo no meio. O Entra 21 estabelece uma travessia para que quando eles chegarem do lado de cá tenham uma formação – define Tomio.

Com custo de R$ 3 mil por aluno, projeto já formou 3,5 mil pessoas

São 12 anos de existência em que o Entra21 já formou 3,5 mil pessoas. Somado a outras iniciativas de formação feitas em parceria com empresas e governo do Estado, como o Geração Tec, foram cerca de 5 mil profissionais treinados para o mercado. A cada ano são abertas entre 350 a 400 vagas no Entra21. Mas a oportunidade é disputada: neste ano foram 2 mil inscritos, que passam por seleção com prova e entrevistas. São cinco meses de aulas diárias, transporte gratuito e índice de empregabilidade acima de 70%. Em 2018, além das 400 horas/aula, metade dos alunos terá mais 80 horas de inglês, um pedido das empresas.

O custo atual do curso é estimado em R$ 3 mil por aluno. Cerca de 70% do recurso vêm do município e do governo do Estado, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Os outros 30% são bancados pelos empresários, mas encarados como investimento.

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Na turma deste ano, antes mesmo da formatura, um terço dos alunos já estavam empregados na área. Para o consultor do Blusoft, Sérgio Tomio, o programa foi fundamental para a vinda de algumas multinacionais à cidade, além do desenvolvimento social.

– O Entra 21 tem uma conotação social muito forte. Na seleção, a gente busca sempre os talentos, mas prioriza jovens de famílias de baixa renda, com deficiência. Já tivemos turmas específicas só de alunos com deficiência auditiva, internos do Casep e de imigrantes haitianos. E não é só formação de mão de obra de massa para jogar nas empresas. O jovem com veia empreendedora também pode ser estimulado a ir para a frente, criar a empresa dele, ou então empreender dentro da companhia que acolha o projeto dele – amplia Sérgio Tomio.

Cursos e incubadora de negócios completam quadro de oportunidades

O intercâmbio entre empresas de TI e jovens em busca de uma carreira vai além do Blusoft. A relevância do segmento na economia local cria oportunidades ainda em instituições públicas como o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), que no campus de Gaspar, no Vale do Itajaí, tem um curso técnico integrado em Informática para alunos que também estão no ensino médio, e um curso superior de tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Este último tem turma de 40 vagas aberta por semestre e a primeira turma se forma em julho. O IFSC ainda oferece cursos pontuais de programação.

– Temos buscado diálogo constante com o mundo do trabalho. É importante que o aluno esteja afinado às demandas do mercado. Já temos alguns em estágios e acreditamos em uma oportunidade interessante desses egressos nas empresas – pontua a diretora-geral da unidade de Gaspar, Ana Paula Kuczmynda da Silveira.

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Paradoxalmente, a oferta de formação rápida reduz a procura por cursos universitários em TI. Instituições como o Senai oferecem em lista de espera formações para desenvolvimento de aplicativos de web mobile. Mas nem só de cursos vive a formação de profissionais. Como a palavra de ordem é inovação, muita gente investe em ideias empreendedoras para construir carreira na área de tecnologia. Blumenau tem apoio do Instituto Gene direcionado a esse público. A incubadora de empresas surgiu em 1996 no curso de Computação e Sistemas de Informação da Furb e, desde 2002, atua de forma independente, sem fins lucrativos, oferecendo oficinas, acompanhamento e orientações para startups e projetos recém-criados. Recentemente o Gene abriu atuação para empresas multidisciplinares, mas 80% dos incubados ainda são da área de tecnologia.

O programa inicial começa com a aprovação em um edital e dura cerca de oito meses, mas uma empresa pode ficar por até três anos sob a incubação do Gene. Para isso é paga taxa de incubação e um retorno temporário após a companhia entrar de vez no mercado. Nos últimos 10 anos o Gene teve 300 empresas que passaram pela incubação e cases de destaque como o da LZT Sistemas, que nasceu ali e foi vendida por mais de R$ 40 milhões em 2013.

– O objetivo é transformar ideias em negócios, possibilitar a criação de empresas inovadoras e inclusão social por meio do acesso a essas novas tecnologias – explica a diretora-executiva do Gene, Jerusa Schroeder.