O momento é difícil. Você quer acabar com o sentimento, mas não sabe como. Sente dor, angústia e solidão. Em busca de ajuda, pega o telefone e disca três números: 188. Após chamar, um desconhecido atende. Você não está sozinho.

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Há alguém do outro lado da linha pronto para ouvir, sem julgamentos. “Não se preocupe com o que vai dizer, conte comigo”. Você já pode chorar, reclamar ou mesmo silenciar. Não tem problema. A sua dor existe e precisa ser respeitada. Mais do que isso, precisa ser compreendida.

— É tão simples, tão fácil ouvir as pessoas. É uma conversa do dia a dia — diz Carmen, voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV), sobre o trabalho oferecido pela instituição de apoio emocional para prevenção de suicídios no Brasil, que atende pelo telefone 188. Os nomes dos voluntários foram preservados a pedido da entidade.

Essa conversa é o que falta, muitas vezes, para as 32 pessoas que morrem diariamente no Brasil por suicídio. Era o que faltava também para Bruno João Nicoleit, 26 anos, que tentou interromper a vida aos 16. Na época, o morador de Palhoça, na Grande Florianópolis, ainda se sentia desamparado pela perda do pai, que ocorreu quando tinha 11 anos. Com medo de se expor, as insatisfações se acumulavam: sentia vergonha das acnes no rosto, do sobrepeso, e tentava esconder a homossexualidade.

— Eu passava por essas frustrações 10 anos atrás, problemas que muitos jovens passam — comenta.

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Foi um corte errado no cabelo, na semana em que se recuperava de uma intervenção cirúrgica simples, mas que marcou suas costas com uma cicatriz, que levou o adolescente a decidir pelo pior: “acabaria com tudo por ali”.

— Quando cheguei na frente do espelho, eu pensei: “Não é possível!”. Um negócio tão simples foi a gota d’água pra mim — recorda.

Naquela noite, trancado no quarto, concluiu que não queria mais sofrer, nem “viver um teatro para o resto da vida”. Ele não sabe quanto tempo ficou desacordado depois da tentativa. Apenas percebeu que o plano havia dado errado quando despertou, sozinho.

Pouco depois, sem que os familiares soubessem o que havia ocorrido, se envolveu em uma discussão com a irmã. Foi então que revelou a “panela de pressão” que explodia dentro dele:

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— Na hora eu pensei que não tinha nada a perder e falei pra ela o que tinha feito. Ela ficou em choque e saiu. Minutos depois, retornou.

Pronta para ouvir o caçula, questionou sobre a orientação sexual. Ele finalmente falou da homossexualidade. Revelou os problemas que enfrentava com a autoestima e com a perspectiva de passar o resto da vida sentindo as emoções negativas. Foi, então, que recebeu o apoio que precisava:

— Eu sentia uma panela de pressão, mas tirando a pressão enquanto falava. Fui ficando mais leve.

A família procurou ajuda profissional para resolver as questões que incomodavam o adolescente. Aquele diálogo deu nova vida a Bruno.

Silêncio é a maior barreira

— As pessoas têm a impressão de que se sentir triste e não ter vontade de fazer as coisas estão relacionados à fraqueza ou à falta de ocupação. Isso é preconceito — diz a presidente da Associação Catarinense de Psiquiatria (ACP), Vanessa Leal.

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Para a especialista, a vergonha e o medo são os principais fatores que levam à internalização dos sentimentos:

Esses são os sinais de depressão, que as vezes não são tratados. Esse preconceito acaba fazendo com que as pessoas não falem, e é considerado a maior barreira para a busca de ajuda.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 90% dos suicídios podem ser prevenidos, desde que existam condições mínimas para oferta de ajuda voluntária – como o CVV –, ou profissional, com médicos, psicólogos ou psiquiatras.

— Mais de 90% das pessoas que tiraram a vida passavam por um transtorno psiquiátrico que era tratável, mas que não haviam falado por vergonha ou até culpa — explica Vanessa.

Segundo a psiquiatra, quando uma pessoa fala sobre os problemas, não só vai aliviar o sentimento momentaneamente, como pode ser acolhida e encaminhada a um profissional.

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— Aconselho a incentivar ou levar essa pessoa até um profissional e manter o contato para saber se realmente está se tratando — sugere a psiquiatra.

Fonte: OMS e CVV
Fonte: OMS e CVV (Foto: Reprodução)

"Cada um sabe da sua dor"

Bruno enfrenta a depressão com ajuda profissional e hoje fala com outros jovens sobre o assunto
Bruno enfrenta a depressão com ajuda profissional e hoje fala com outros jovens sobre o assunto (Foto: Leo Munhoz)

A frase é do Bruno João Nicoleit. Há cerca de um mês ele fala abertamente sobre o passado. Antes sentia medo e vergonha. Resolveu que contaria sua história porque percebeu a importância de um exemplo na vida de outros jovens – que podem estar passando pelas mesmas frustrações que viveu.

— Dez anos se passaram desde que fiz isso (tentou suicídio) e eu vejo que tive uma oportunidade de continuar vivendo. Se tivessem dado certo os meus planos naquela noite, eu não teria vivido muita coisa boa que eu vivi neste tempo.

Hoje ele é padrinho de três crianças, graduado em Recursos Humanos e adotou um animal de estimação. Os problemas de autoestima foram superados, e começou um relacionamento com um novo parceiro há pouco tempo. Está “bem resolvido com a sexualidade”, afirma.

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Afastado por alguns dias do trabalho, porque a depressão reapareceu depois do término do relacionamento anterior, ele trata a doença com acompanhamento profissional, como é recomendado pela Associação Catarinense de Psiquiatria. Adotou também uma mudança na postura:

— Agora eu falo, pra mostrar que a depressão pode levar a um ponto final triste. Falo porque quero poder ajudar de alguma forma. Falar me ajudou e quero que ajude outras pessoas também.

Como vai você?

Fonte: OMS e CVV
Fonte: OMS e CVV (Foto: Reprodução)

Mais de 1,9 milhão atendimentos foram realizadas pelo CVV de 1° de janeiro a 31 de agosto de 2019. Somente no mês passado, os voluntários catarinenses atenderam 18,7 mil ligações.

No Estado, 314 pessoas se disponibilizam a ouvir histórias por meio da rede voluntária de prevenção. Em todo país, são 3.191 voluntários que oferecem algumas horas da semana para atender telefonemas, responder chat online, e-mail, ou receber pessoalmente quem procura ajuda.

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Nós temos 20 segundos entre uma ligação e outra. Coloca no gancho, respira fundo e o telefone toca novamente. Estamos prontos para ouvir, relata a voluntária Carmen.

A rede de apoio é recomendada pelo Ministério da Saúde especialmente para o momento de desespero. O atendimento é sigiloso e a escuta é acolhedora e respeitosa.

— O CVV é um grande recurso quando a gente está na crise aguda de pensamento suicida. Mas é importante, depois de receber essa ajuda, que a pessoa busque tratamento para o que está acontecendo — recomenda a psiquiatra Vanessa Leal.

Além de SC, outros 23 estados e o Distrito Federal disponibilizam postos de atendimento gratuito do CVV. As ligações abrangem todo o país. Desde 2015, quando iniciaram os atendimentos pelo 188, ainda como projeto piloto no Rio Grande do Sul, são 5,5 milhões de atendimentos.

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