Quarta-feira, 15h. Em uma sala na região central de Blumenau 22 homens reúnem-se para debater um tema comum entre eles. Não é futebol, apesar das camisas de times. O assunto é violência doméstica. Todos, em algum momento, agrediram as companheiras. Na maioria dos casos, uma determinação da Justiça os obriga a participar dos encontros, que são promovidos por uma equipe técnica da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

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O trabalho começou em 2003. Somente no primeiro bimestre de 2019, 130 homens são atendidos no serviço que quebra um paradigma: não são apenas as mulheres, vítimas, que precisam de ajuda. A desembargadora Salete Silva Sommariva, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, é enfática: “é preciso tratar os agressores para que eles não voltem a reproduzir comportamentos violentos”.

Nesta semana, a magistrada esteve em Blumenau para acompanhar o trabalho feito na cidade com homens, mulheres e crianças envolvidos em conflitos. Segundo ela, o que se tem no município serve de referência em Santa Catarina, onde de 1º de janeiro até 18 de fevereiro nove mulheres foram assassinadas pelos companheiros, sendo duas delas em Blumenau. No mesmo período do ano passado, o número de feminicídios chegou a quatro no Estado.

– É preciso desconstruir a cultura machista que está arraigada na sociedade. E como é que se faz isso? Não é apenas empoderando a mulher, fazendo com que elas busquem a Justiça, isso não basta. Para desconstruir tem que tratar os agressores – justifica a desembargadora, que atua há pelo menos uma década com casos de violência doméstica.

– Uma das maiores dificuldades dos homens é o reconhecimento da responsabilidade pelo ato. Isso ocorre porque vivemos em uma sociedade machista, que naturaliza a violência desde a infância, quando os meninos são educados para comportamentos que reforçam que homem tem que ser forte – explica o assistente social Ricardo Bortoli, que atua no grupo com os homens.

A coordenadora do Centro Especializado de Assistência Social (Creas) 1, Luciana Coelho, defende o trabalho com dados. Segundo ela, cerca de 80% dos casos de violência doméstica que chegam até o serviço têm como agravantes o uso de álcool, drogas e um histórico familiar conflituoso. Quando tratados esses aspectos, é possível reverter o cenário

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– Não atender os homens no enfrentamento da violência contra a mulher é o mesmo que secar o chão com a torneira aberta – diz Bortoli.

Na reunião de quarta-feira, Pedro*, 66 anos, não escondeu da desembargadora a surpresa que teve quando descobriu a existência do grupo, anos atrás. Ele foi encaminhado para os encontros quando as discussões com a agora ex-companheira evoluíram para a agressão.

– Se eu soubesse que isso existia, talvez aquilo nem teria ocorrido. Teria procurado ajuda para tentar resolver as coisas numa boa – confessa o homem, que mesmo não precisando mais ir aos encontros, a mando da Justiça, segue como participante.

João*, 30 anos, chegou ao grupo recentemente. Na última semana participou do segundo encontro. Embora tenha se separado da esposa, deve frequentar o serviço por pelo menos seis meses, conforme determinação do Poder Judiciário. Uma discussão com a mulher terminou com a medida protetiva expedida.

– Somos seres humanos e erramos, paguei pelo meu erro. Cheguei a ficar preso. O que vai me ajudar muito é saber entender em qual zona de conflito estou – afirma o homem.

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Neste ano, a Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Blumenau registrou 742 casos de violência doméstica até o último dia 18. Em média, foram registrados 15 episódios por dia. No mesmo período do ano passado, foram 499. O total de prisões desde o início do ano chega a nove, aponta o delegado David Sarraff, que considera o trabalho com agressores importante.

– É difícil reeducar quem vê a mulher como objeto, mas não é impossível. Por isso é um trabalho interessante, até para não ter reincidência – aponta.

A psicóloga Sheila Fagundes Isleb, que também atua no grupo de homens, pontua que é necessário pensar estratégias de enfrentamento além das punições previstas em lei.

– Os índices de reincidência destes homens são muito baixos, cerca de 2% no período entre 2015 a 2018. Mas dependem do nível de abertura e disposição para mudanças de cada participante – explica Sheila.

*Nomes fictícios, conforme o Manual NSC de Jornalismo.