Boaventura de Alcântara Machado, 81 anos, é morador em Bom Jardim da Serra. De apelido Tutura, conhece os caminhos da serra como a palma da mão. Tem uma relação afetiva com a estrada que marcou tempos de entusiasmo e coragem. Foi tropeiro, condutor de veículos com tração animal, motorista.

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– Hoje, a gente não consegue pensar na vida nesta região sem esta obra – diz.

Ainda hoje, sempre que desce para o litoral, aproveita para refazer o caminho que andou em mulas. A cada curva, uma história para contar:

– Estamos na primeira volta da serra. Aqui, o tropeiro parava, revisava os cargueiros e seguia viagem. Se fosse noite, não: aí pousava, acendia o fogo de chão e esperava clarear para seguir viagem.

Tutura conta que além de incentivar negócios, a estrada teve função estratégica em alguns momentos. Cita as enchentes na década de 1980, na região de Tubarão, tendo sido pela rodovia do Rio do Rastro que Exército e Defesa Civil conseguiram acessar comunidades do sul do Estado que se encontravam debaixo d’água.

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Pela serra antiga, passavam tropas de bois e porcos vindas do Rio Grande do Sul. Na época, era forte a relação comercial com produtores gaúchos. Cenas que Tutura conta com detalhes:

Eram uns 200 porcos por vez. No comando, vinham empregados e cachorros bravos. Isso impedia os animais xucros de fugir.

Tutura explica que tropas de cavalos também passavam pelo lugar. Os animais desciam até a fazenda da família Koerich, em São José, na Grande Florianópolis, e depois eram vendidos para uso em carroças e charretes.

– Hoje, a gente vê caminhão boiadeiro atalhando por aqui – compara.

Assombrosa que encanta

O título assusta: “Assombrosa”. A Serra do Rio do Rastro é considerada a estrada mais assombrosa do mundo. Quem disse isso, em 2012, foi um jornal espanhol após uma pesquisa com viajantes de vários países. Traduzindo significa espetacular, grandiosa, encantadora.

Para se ter ideia dessa referência, é bom olhar alguns nomes da lista de outros trechos admirados pela exuberância. Lá estão a Ponte de Storseisundet, na Noruega; o Túnel da rodovia de Guoliang, na China; os caracóis da Travessa dos Libertadores, na Cordilheira dos Andes.

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O motociclista Marcelo Alves percorreu 2,5 mil quilômetros para conhecer a Serra do Rio do Rastro. Morador de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, desceu com mais dois amigos para conferir se era verdade o que ouviam dizer. Chegou numa semana chuvosa, mas expressou o que sentiu:

– Este caminho é magnífico. A gente ouvia falar, via na TV e quis conferir se era assim. Mesmo com o tempo chuvoso a gente percebe a beleza do lugar.

Quem também não se arrependeu da viagem longa foi o paulista Jeferson Toledo.

Realmente é muito bonita, apesar das curvas serem muitas e bastante fechadas – observa, levando uma câmera no capacete.

O motociclista experimentou algo bastante comum. O tempo estava aberto quando começou a subir. Mas houve o que os moradores chamam de viração, quando as condições do clima mudam de uma hora para a outra. Quanto mais se aproximava do topo, mais se intensificava a neblina. Em alguns pontos, a chuva apertou.

Ao final, quando chegou ao mirante em Bom Jardim da Serra, Toledo e os amigos que fizeram o percurso tinham como reclamação comum a falta de visibilidade.

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Carona na boleia em ziguezague

Pelo menos uma vez por semana o caminhoneiro Luciano Soares percorre a estrada da Serra do Rio do Rastro. Em 11 de setembro, ele viajava de Bom Jardim em direção a Urussanga, onde se localiza a empresa de embalagens em que trabalha, e aceitou dar carona para nossa equipe. Da cabine do caminhão podemos sentir melhor o ziguezague da rodovia, as belezas e os riscos que se apresentam especialmente em dias de chuva ou com a pista molhada.

Pela frente, teremos 16 quilômetros de asfalto e mais sete de concreto. Para evitar derrapagens, há ranhuras semelhantes àquelas na pista de aeroportos. O leito é estreito e não há espaço para acostamento. A média de 11 curvas por quilômetro exige atenção do motorista.

Vou ter que sinalizar para o carro que está atrás, pois preciso dar a ré para manobrar e seguir em frente.

Pelo espelho, se vê a fila de veículos. A situação está mais perigosa por causa da chuva. A visibilidade é zero e o chão está escorregadio. Pedras rolaram da encosta e estão no meio da pista. Por causa da chuva da noite, cachoeiras transbordaram e água atravessou a estrada.

— De vez em quando, a estrada é fechada. Atrapalha a vida da gente, mas é por questão de segurança.

Em agosto, um caminhão despencou e o motorista morreu. As causas do acidente, à noite e com chuva, não foram esclarecidas. Mesmo reconhecendo os riscos da rodovia, Soares defende que a prudência é a melhor prevenção.

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