Estas são histórias de quem teve a vida dividida em antes e depois. Vidas esfaceladas, alteradas por uma grande tragédia.
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Mas aí veio o depois. O depois que salva.
Lênio, William, Rafael e Daniele não são sobreviventes, apenas. São pessoas que renasceram. Que, acima de tudo, superaram a derrota. Neste novo ano que começa, eles são os melhores exemplos de que é possível recomeçar.
Daniele Carvalho de Brito Targino
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Quem é: tem 33 anos, é cearense e mora há cinco anos em Florianópolis, na Vargem Grande
O problema: por dois anos, sofreu violência física e psicológica do primeiro namorado
“Descobri a força que tenho em mim”
Na tatuagem do braço esquerdo, uma menina segura um guarda-chuva enquanto anda de bicicleta sobre uma ponte de pedras. Pode parecer singelo, mas, nas entrelinhas, o desenho esconde um doloroso significado: uma dura lição que Daniele foi forçada a aprender na juventude.
Aconteceu há alguns anos. Ela tinha 13 e ainda morava no Ceará. Ele era 14 anos mais velho. Casado. E olhava para ela de um jeito diferente. Um olhar malicioso, que a deixava desconcertada. Ele a rondou por quase cinco anos, até ela aceitar as investidas, num momento de fragilidade, de luto pela morte da avó – com quem ela vivia. O namoro engatou, o casamento dele terminou e o pesadelo dela começou.
Era um amor conturbado. Que apresentou a ela o mundo do vício, o mundo do álcool, dos remédios tarja preta e do sexo sem sentimento. E também da pressão psicológica, das brigas sem motivo, das crises de choro, dos tapas na cara e da violência. Foram dois anos assim. Cinco agressões físicas e um estupro que a impediu de caminhar por cinco dias. Ela terminava, ele vinha. Ela fraquejava, ele a enchia de presentes caros. Prometia que tudo iria mudar. E dizia que era assim mesmo, os amores intensos. Afinal, ela não passava de uma garotinha com muito a aprender.
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Então, ela passou no vestibular: começou a cursar Direito, seu sonho. E logo no primeiro semestre conseguiu um emprego no Fórum. Mas todas essas conquistas o deixaram ameaçado. As brigas duplicaram. Pequenas discussões viravam grandes acessos de fúria. Certa vez, quando saíam de um restaurante chique, ele arrastou-a pela rua, presa pelo cinto de segurança, por 200m.
– No meu carro, você não vai – disse ele, acelerando quando ela entrava pela porta.
Uma cicatriz no pé a faz lembrar daquele dia. O último dia: o namoro terminou ali. Mas não o inferno que ela vivia. A perseguição passou a ser constante e ela era surpreendida por ele em todos os lugares que ia. Ele ligava e aparecia em frente ao prédio dela, com gritos e buzinaços. Era seguida, vigiada, humilhada em público. E no primeiro dia de aula do ano seguinte, deparou-se com ele nos corredores sorrindo para ela, recém-matriculado. Ela desistiu do sonho, trancou a faculdade e sumiu do mapa.
– Sempre imaginava a dor que as mulheres sentiam em situações como essa. Mas senti-la na própria pele foi infinitamente pior. Eu sentia vergonha, muita vergonha, me sentia suja, imunda.
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E aos poucos, a vida foi ganhando um novo rumo. Um dia, na praia, reencontrou o Paulo, um ex-colega que logo virou namorado. E, com ele, descobriu o que era um relacionamento normal – “mais limpo”, como define. E a menina que aprendeu a amar errado, se apaixonou novamente. Casou. Mora em Florianópolis há cinco anos e é mãe de uma menina e de um menino. E há um ano e meio, retomou a faculdade de Direito. Irá se formar no ano que vem.
– Esse grande peso que carreguei me fez descobrir a força que tenho em mim. Percebi meu valor e que o destino está nas minhas mãos.
Mas faltava enfrentar o passado. Livrar-se dos fantasmas e de todos os pudores. Ela precisava olhar para trás sem medo. Aceitar. Superar. E no dia que falasse abertamente sobre isso, sabia que estaria curada. Então, em 25 de novembro – o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher -, ela tornou pública sua história. Está lá, no blog que mantém há dois anos, o Balzaca Materna. A mesma história cuja lição ela carrega hoje no braço esquerdo, na tatuagem feita há seis meses. Ela, a menina. Levando o guarda-chuva, que significa proteção, a bicicleta, que é o equilíbrio e a ponte de pedras como sustentação. E a água que passa por ali representa vida. Porque quando existe água sempre existe vida.
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O QUE DIZEM OS PSICÓLOGOS
“É importante a mulher se reconhecer como protagonista de sua vida. Ela precisa refletir sobre a sua situação, procurar um tratamento psicológico, cultivar atividades prazerosas e investir em relações sociais e no trabalho.”
Maíra Marchi Gomes, psicóloga que atua na 6ª Delegacia de Proteção à Mulher de Florianópolis
ONDE BUSCAR AJUDA
Delegacia de Proteção à Mulher de Florianópolis – (48) 3228-5304.
Delegacia de Proteção à Mulher de São José – (48) 3357-5418.
Delegacia de Proteção à Mulher de Palhoça – (48) 3286-5551.
Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Paefi)
Programa da prefeitura da Capital que ajuda no acolhimento e no atendimento social, psicológico e até de orientação jurídica para as mulheres vítimas de violência.
Informações: (48) 3224-6605 ou (48) 3224-7373.