Estas são histórias de quem teve a vida dividida em antes e depois. Vidas esfaceladas, alteradas por uma grande tragédia.

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Mas aí veio o depois. O depois que salva.

Lênio, William, Rafael e Daniele não são sobreviventes, apenas. São pessoas que renasceram. Que, acima de tudo, superaram a derrota. Neste novo ano que começa, eles são os melhores exemplos de que é possível recomeçar.

Rafael Hoffmann

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Quem é: tem 28 anos e mora em Forquilhinha, São José.

O problema: Há cinco anos sofreu um acidente no mar, que o deixou tetraplégico.

“As melhores coisas aconteceram depois do acidente”

Ele acordara e não reconhecia onde estava. O quarto não lhe era familiar e a cama não era a sua. Era 13 de dezembro de 2007, ele tinha 23 anos e estava num hospital.

Então lembrou-se: estava com amigos na Guarda do Embaú, quando decidiu entrar no riozinho que leva ao mar. Ao mergulhar, batera com a cabeça em um banco de areia e, imediatamente, sentira uma estranha sensação de choque elétrico percorrer o corpo inteiro. Tentara voltar à margem: o corpo não respondia mais.

– Alguma coisa de errado aconteceu – pensou.

Depois disso, perdeu o fôlego e se afogou.

Isso havia acontecido cinco dias antes. Num sábado, dia 8, finzinho da tarde. Rafael foi levado de helicóptero, inconsciente, até o hospital. Um amigo que ele nem chegara a ver na praia o tirou da água. Ele sofreu três paradas cardíacas: uma ali na areia e outras duas na UTI. Aí entrara em coma.

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Agora acordado, tentava levantar-se e não sentia os braços. Ergueu, então, a cabeça e percebeu as pernas caídas para fora da cama. Estranho. Tinha a sensação de que elas estavam estendidas.

– Você está tetraplégico – ouviu do médico.

Embora chocante, a notícia nem o abalou. Sabia que aquilo seria passageiro. Os próprios médicos diziam isso: o choque da lesão, às vezes, é temporário e tudo que estava comprometido poderia se reverter. Afinal, era um acidente bobo. A pancada nem havia sido forte. E o riozinho nem era fundo.

Mas o problema estava na forma como Rafael batera a cabeça: é o que tinha causado a fratura nas duas vértebras da coluna cervical. Estava selada uma nova vida para ele, não tinha jeito. Em casa, os três primeiros meses foram os piores. Imaginava-se naquela rotina de acordar-tomar banho-comer-dormir para o resto da vida. Foi quando também começaram as angústias. Será possível namorar de novo, um dia? E dirigir? Por que isso foi acontecer? E os sentimentos que antes eram de esperança foram ficando cada vez mais melancólicos. Veio a revolta. E depois a depressão.

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– Cheguei tão perto da morte. Por que ela não me levou? – questionava-se.

A fase era complicada não só para ele, mas para toda a família Hoffmann. Enquanto Rafael sobrevivia ao acidente, a mãe estava no Cepon, lutando contra um câncer.

– Você vai ter que ser homem para encarar tudo, cara. Não vá se abalar – ouviu do irmão.

E Rafael, então, enfrentou tudo como um homem de verdade deve fazer. Viu o irmão abandonar uma carreira promissora no futebol para cuidar da família, e sentiu que precisava dar uma resposta. Percebeu que, triste ou feliz, teria que se acostumar. E um novo ciclo se abriu.

Nos dois anos de fisioterapia, aprendeu a pular da cadeira para a cama, a tomar banho sozinho, a fazer a barba e a colocar a meia: coisas que, um dia, já foram simples. E os braços, aos poucos, foram recuperando o movimento. Certo dia, quando passeava no shopping com o primo, um homem se aproximou. Falou das atividades físicas para cadeirantes na Unisul – o projeto Omda – e lhe apresentou o rúgbi. Rafael foi lá no dia seguinte e se apaixonou não só pelo esporte, mas também por uma estagiária – que logo virou sua namorada. E assim, as coisas foram acontecendo.

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Em 2009, ele foi convocado pela primeira vez à seleção brasileira de rúgbi, que já o levou a dois campeonatos parapanamericanos. E em 2010 entrou para o curso de Educação Física. Em 2012 se tornou papai e começou a trabalhar como instrutor em uma academia de musculação. O mundo deixou de ter limites para Rafael.

– Levo uma vida normal e a cadeira não me atrapalha em nada. As coisas mais maravilhosas da minha vida, todas as boas oportunidades, aconteceram depois do acidente. Eu não preciso mais voltar a andar. E se soubesse que seria tão bom, teria dado aquele mergulho bem antes – brinca.

E Rafael ganhou o mundo.

O QUE DIZEM OS PSICÓLOGOS

“Depois de sofrer o trauma, a dificuldade de continuar sobrevivendo está, justamente, no fato de ter que lidar com essa dor, dia após dia. E isso pode ser restaurado com terapia e com a busca por atividades que dão prazer, como pintar, dançar, ler, cozinhar.”

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Nathalia Bendiner, psicóloga clínica e especialista em terapia sistêmica

ONDE BUSCAR AJUDA

Organização para o Movimento e o Desporto Adaptado (Omda)

Projeto da Unisul, com equipes de rúgbi e basquete para cadeirantes e natação e bocha paraolímpica. Gratuito.

Informações: pelo site da Omda.

Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef)

Instituição que ajuda com cursos, doações, vagas de emprego e oferece aulas de basquete sobre rodas. Gratuito.

Informações: pelo telefone (48) 3228-3232 ou pelo site da Aflodef.