Na sequência do fenômeno Breaking Bad, outra série chega ao fim no alto do pódio da dramaturgia na televisão. Neste domingo (9/3), será exibido nos EUA e também no Brasil, à meia-noite, no canal HBO, o último dos oito episódios de True Detective. A atração estreou sem maior badalação em 12 de janeiro e conquistou público e crítica com sua peculiar estrutura narrativa e, sobretudo, pelo excepcional desempenho de seus protagonistas, Matthew McConaughey, o astro do momento, e Woody Harrelson.

Continua depois da publicidade

McConaughey e Harrelson vivem tipos recorrentes nas tramas policiais: dois tiras que são como água e azeite e combinam seus perfis antagônicos numa convivência em alta tensão descarregada sobre um objetivo comum. No caso, encontrar um serial killer responsável pela morte de mulheres e crianças e que circula pelos labirintos das ciências ocultas, indicam as pistas relacionadas aos crimes.

Nenhum dos dois detetives é exemplo de virtude: McConaughey faz o enigmático Rustin Cohle, sujeito introspectivo e cerebral traumatizado pela morte da filha pequena. Harrelson é o vulcânico Martin Hart, casado com uma bela mulher (Michelle Monaghan), pai de duas meninas e sempre enroscado com uma jovem amante e um copo cheio de bourbon.

A dupla é apresentada em dois tempos: em 1995, quando se junta para investigar o assassinato de uma prostituta, num cenário que remete a um ritual de magia negra, e em 2012, sendo interrogados por dois policiais. Logo percebe-se que algo saiu dos trilhos nestes 17 anos, arrastando as vidas de Cohle e Hart por caminhos tortos. E também que caso supostamente resolvido pela dupla em 1995 ficou com muitas pontas soltas, como indicam assassinatos com características semelhantes que seguiram ocorrendo.

O desconcertante embaralhamento de tempo e espaço deixa o espectador meio desnorteado ao primeiro contato, mas logo se mostra um dos primeiros pontos de excelência a destacar em True Detective. O progressivo desfiar da história, a construção dos perfils dos protagonistas e seus conflitos para equilibrar vida pessoal e profissional permeiam demonstram a qualidade do projeto criado por Nic Pizzolatto, um dos expoentes da nova literatura policial, cuja experiência anterior em TV havia sido como roteirista de dois episódios do seriado The Killing.

Continua depois da publicidade

Nascido e criado em New Orleans, Pizzolatto ofereceu True Detective ao canal HBO no formato conhecido como antologia: uma história em capítulos, com arco dramático todo fechado, ambientada na região que tão bem conhece. Toda a série foi filmada como se fosse um longa-metragem com quase oito horas de duração, para assegurar tanto a dinâmica quanto a fluidez da narrativa.

A apresentação em flashback, o ritmo lento, os diálogos que perecem ser esculpidos palavra por palavra na boa literatura e as nuanças das personalidades dos protagonistas de pronto colocaram True Detective em evidência no concorrido universo das séries de TV – o bom momento vivido pelo agora oscarizado McConaughey também ajudou na promoção da série.

Todos os sete episódios já exibidos estão disponíveis aos assinantes do HBO no Now, serviço de vídeo on demand da Net, e no HBO Go da Sky. Para não estragar o prazer de quem ainda não conhece True Detective, adianta-se apenas o que é óbvio para os convertidos: este último capítulo deve fazer a conexão entre os crimes do passado e do presente, mostrar o confronto de Cohle e Hart com o serial killer que perseguem e soterrar ilabadas reputações.

Pizzolatto confiou a direção de True Detective ao cineasta Cary Joji Fukunaga, que tem como trabalho mais conhecido o filme Jane Eyre (2011). A parceria se mostra tão afiada quanto a de McConaughey e Harrelson. O engenhoso plano-sequência de seis minutos que apresentaram no desfecho do quarto episódio já figura entre os grandes momentos da televisão (e do cinema) nos últimos anos.

Continua depois da publicidade

Também chama a atenção o senso moral movediço dos protagonistas, movidos por um código de justiça que eles próprios definem e subvertem colocando-se acima da lei – executam sumariamente um abusador de crianças, torturam informantes e ignoram ordens de superiores.

True Detective se destaca ainda pelo amplo espectro de influências absorvidas por Pizzolatto e Fukunaga na trama, que aborda temas com pedofilia, rituais satânicos, jogo de influência nos gabinetes e hipocrisia religiosa que brota do embate entre fé e culpa. São referências assumidas pela dupla de realizadores, entre tantas, autores clássicos da literatura fantástica, como Robert W. Chambers, e escritores contemporâneos do gênero, como Thomas Ligotti. A lista inclui ainda o diretor David Lynch e sua referencial série de TV Twin Peaks, também ambientada em uma pequena cidade onde ninguém é quem parece ser e coisas tenebrosas ocorrem em meio ao sono dos justos.

O sucesso de True Detective pode ser medido pelas listas de discussões na internet que especulam quem é o tal Rei Amarelo citado na trama e tentam decifrar o significado das verborrágicas digressões filosóficas de Cohle – estas, aliás, são alvos das algumas das paródias que circulam pelas redes sociais.

Pizzolatto renovou contrato com a HBO para dar continuidade ao projeto True Detective, que voltará para mais uma temporada com novo elenco e outra história. Seu maior problema vai ser manter o nível elevado desta estreia tão espetacular.

Continua depois da publicidade

Confira vídeos relacionados à série (em inglês):

– Trailer oficial

– Plano-sequência de seis minutos no quarto episódio

– Paródia aos diálogos elaborados da série

– Paródia com McConaughey e o Oscar

– A teoria do Rei Amarelo