Eis um beijo típico do verão: casual, público, sem consequências. Na verdade, não sei se posso usar esta expressão: sem consequências. Talvez o beijo tenha tido grandes consequências. A formigona me pareceu um pouco trêmula. A pequenina parecia querer se afundar num formigueiro.

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O verão é a estação dos insetos. Dos insetos vorazes. Eles aparecem no chão, no ar, em todos os lugares: no jardim, no terraço, na sala, no quarto. E começam a picar todo mundo.

Uma conversa muito típica do verão:

– Acho que fui picada na perna.

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– Era um mosquito?

– Parece que era. Eles preferem a perna da gente.

– Em mim eles preferem o rosto.

A conversa não para por aí. Alguns dirão que os insetos preferem picar os braços, a barriga, as bochechas das pessoas…

As pessoas andam com pouca roupa e gostam de ficar ao ar livre até tarde. Faz calor. Nem pensam em fechar portas e janelas quando finda a tarde.

No verão também aparecem os lagartos. São de todos os tamanhos: adultos, adolescentes, fi lhotes. Dizem que eles comem os insetos. Acho que eles comem mesmo. Mas o número de insetos é muitíssimo superior ao número de lagartos. Eles jamais vencerão os insetos.

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Tem gente que vive bem com os insetos. Mas tem medo dos lagartos.

– Estou toda comida – diz uma moça mostrando o braço picado.

Mas ao ver um lagarto tomando sol, ela estremecerá. Ora, nós somos muito parecidos com lagartos. Tomamos sol sem medo de torrar. Não acredito que os lagartos sejam agressivos, mas já ouvi gente dizer:

– Eles correm atrás da gente! Atacam!

Continuo achando que os lagartos tomam sol e comem os insetos. Os insetos atacam, disso não tenho dúvida.

É muito comum, na praia, ver várias pessoas picadas. Acho que na noite anterior dormiram profundamente e não sentiram o ataque dos insetos. As marcas de picada podem ser interessantes em muitos sentidos, e desaparecem logo depois. Não são uma tatuagem.

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Quando venta, os insetos vão embora. Só que ventania é uma coisa que às vezes pode estragar o verão.

– Então que fiquem os insetos- dirá alguém resignado ou sábio.

Nesse caso, convém aprender a conviver com eles. Precisamos valorizar os insetos. Eles são dignos do nosso apreço. Vale a pena pensar, por exemplo, que eles são o mistério da vida.

Um inseto pode mudar para sempre o futuro. Não é difícil acreditar que se de repente uma espécie deixar de existir (por obra da divindade ou da ciência ou da poluição), a rede de causas e efeitos será alterada para sempre e o nosso amanhã se revelará certamente pior.

Talvez não existam mais verões. Certamente não existirão mais pessoas inchadas, com o corpo todo picado e remodelado. Isso vai desaparecer das praias de Santa Catarina.

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Eu gosto particularmente de formigas. Elas são extraordinárias, e de todos os tamanhos e cores imagináveis, ora grandiosas, ora quase invisíveis. Muitas formigas, senão todas, trabalham durante o dia e, extenuadas, dormem quando mal escurece. Eu nunca as encontro na minha cozinha de madrugada. Talvez eu não as veja porque estou sonolento e detesto entrar na cozinha de madrugada. Tampouco as vejo no banheiro. Acredito que no verão existam formigas insones e alucinadas. Quem gosta de passar a noite fora, não vê formigas, ou vê poucas formigas.

E as formigas são muito sensuais. Vê-las em ação pode ser muito sugestivo ou excitante. Não digo isso pensando que, ao picar um dedo, um braço, um pé, elas alteram a pele das pessoas. Já chamei isso de tatuagem passageira, pois a carne logo desincha e tudo volta ao normal, ou quase.

Mas há pouco observei o movimento das formigas num terraço à beira-mar. As cigarras cantavam em volta como se soprassem com difi culdade um berrante. (Entre parênteses, acho as cigarras da praia meio frouxas, começam a cantar um pouquinho e logo param: são preguiçosas.) Bem, havia muitas formigas de todos os tamanhos. Então notei uma formiga grande e uma pequena, bem no meio de um tumulto nervoso de várias outras. Pois essas duas formigas trocaram um beijo, mas no ato também levaram um choque e se afastaram rapidamente uma da outra, correndo em sentidos opostos.

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Eis um beijo típico do verão: casual, público, sem consequências. Na verdade, não sei se posso usar esta expressão: sem consequências. Talvez o beijo tenha tido grandes consequências. A formigona me pareceu um pouco trêmula, corria e queria levantar voo. A pequenina parecia querer se afundar num formigueiro.

Beijos, picadas, mordidas: isso é o verão, enquanto houver insetos na Terra. Não consigo outra descrição para esta estação: é um calor na pele, como uma picada de inseto.