Davi é um rapaz alto, de barba e cabelos castanhos, que tem o hábito de ir à praia de Ipanema toda semana. À primeira vista, parece o típico surfista carioca. Porém, no lugar da prancha, entra no mar com uma cauda azul de sereia.

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Ao vê-lo mergulhar, os banhistas ficam perplexos. Alguns acham que se trata de uma filmagem, outros de uma brincadeira. Porém, a rotina semanal desse jovem de 22 anos é apenas uma amostra da moda apelidada de “sereísmo”, que se espalha pelo mundo.

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— É um estilo de vida, uma forma de expressar meu amor e meu respeito ao mar, um encontro entre dois mundos. Quando entro na água, eu me sinto outra pessoa — conta enquanto descansa nas pedras com cauda de lycra e torso completamente cobertos de purpurina.

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Um ‘sereio’ nas águas cariocas

Ariel, a princesa do mar, foi a responsável por sua paixão, e cada cantinho de seu quarto é uma prova disso: Davi dorme com uma manta da protagonista da Disney, bebe água em copos da “A Pequena Sereia”, usa camisetas estampadas com o rosto da personagem de cabelos vermelhos, pinta quadros sobre o filme, além de possuir todas as bonecas e a coleção completa em VHS de todos os seus filmes e séries.

— Eu me sinto como se fosse um sereio há muito tempo — declara o jovem que tem uma sereia tatuada em seu antebraço, e ousou em protagonizar um ‘remake’ gay da “A Pequena Sereia” em seu canal no YouTube.

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Mesmo que se apresente há anos para as pessoas como “Davi Sereio”, o caminho até aqui não foi fácil.

Para encarar essa fantasia feminina e tentar trazer à tona um “mundo mágico” diante da “crueldade” cotidiana, ele já foi insultado várias vezes. Inicialmente, sofreu com a rejeição de sua família, que lhe sugeriu procurar um psicólogo.

— Eu não tenho um complexo de Peter Pan, e nem quero fugir da minha realidade. Sei resolver perfeitamente as coisas da minha vida adulta”, ressalta esse jovem que, para ajudar a pagar a sua graduação em Artes Cênicas, trabalha vestido de sereio às vezes para animar as festas gays.

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Entretanto, quando pula na água e nada como um golfinho na praia de Ipanema, nem todos os que ali estão apreciam sua performance. John e Caio, moradores da comunidade Pavão-Pavãozinho, fazem piadas e riem entre si:

— Fica feio, é coisa de maluco.

Davi não se importa.

— As pessoas riem de mim porque sou diferente, e eu rio delas porque são todas iguais — retruca o sereio.

Uma sereia de novela

Em um país que venera Iemanjá, a rainha dos mares, sua fantasia de sereio fez grande sucesso no Carnaval deste ano. As festas temáticas e cursos de sereismo se multiplicam, principalmente contra estereótipos: na Bahia acontecem encontros de sereias “gordas e negras”.

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Há algumas semanas, a novela da Globo “A força do querer” mostrou a personagem da atriz Ísis Valverde, que enlouquece dois homens – e a audiência – com seus longos cabelos castanhos e seu espírito livre, em uma situação particular: ela nada em um enorme aquário cheio de peixes e turistas, usando uma linda cauda laranja.

Mirella Ferraz, uma mulher de carne e osso, foi a fonte de inspiração para a personagem, e treinou a atriz durante quatro meses.

A primeira “sereia profissional” do Brasil, de traços delicados e cabelos loiros, fica feliz com o sucesso do sereísmo, principalmente após ter sofrido anos de incompreensão e bullying. No entanto, também desconfia dessa febre.

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— Estou feliz que agora (o movimento) seja moda, mas acredito que muitas pessoas só o vêem como uma coisa estética, e não sabem sobre o mito das sereias ou sobre a nossa filosofia de luta ambiental — destaca Mirella, de 34 anos, que calcula que ao menos um milhão de pessoas são fãs do sereismo no Brasil.

A prova disso são as vendas disparadas em seu site. Quando criou a página em 2012, Mirella vendia no máximo dez caudas infantis de sereia em um mês. Já agora, não consegue dar conta da quantidade requisitada, e vende cerca de 90 caudas, muitas delas para homens.

Davi Sereio comprou nesse site a sua cauda azul, e guarda como um tesouro um colar de conchas que ganhou de presente de Mirella.

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— Para muitos, essa pode ser uma moda passageira, mas para mim nunca será — constata a jovem carioca. Segundo ela, só lhe falta uma coisa para se tornar uma sereia completa: cantar.