Presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC) desde o final do ano passado, o desembargador Ricardo Roesler sabe bem o tamanho do desafio que se apresenta neste 2018. Logo no começo da entrevista concedida aos jornais da NSC Comunicação, faz questão de dizer que teremos “a maior eleição da história”. Fala dos 146 milhões de eleitores brasileiros, 5 milhões em Santa Catarina; das 500 mil urnas eletrônicas dispostas pelos quatro cantos do país, 19 mil delas no Estado.
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Mas não são apenas os números gigantescos que aumentam a responsabilidade da Justiça Eleitoral. Roesler ressalta a necessidade de combater o fenômeno das fake news – notícias falsas disseminadas por redes sociais –, além das novidades desta eleição, como o bilionário Fundo Eleitoral público, a possibilidade de doações por meio de vaquinhas virtuais – crowdfunding – e a adoção parcial da impressão do voto – sistema esse que desembargador achava desnecessário. O magistrado faz uma veemente defesa da confiabilidade da urna eletrônica e garante: nessa área, a vítima de fake news é a Justiça Eleitoral.
Confira a entrevista na íntegra:
Essa eleição tem tudo para ser diferente das anteriores, tanto pelo seu tamanho, quanto pelas novidades que traz. A Justiça Eleitoral vai ter que se reinventar?
Eu não diria reinventar, mas nós teremos que nos aperfeiçoar, na medida em que essa será a maior eleição da história do Brasil. Não só pelos números que a envolvem. São 146 milhões de eleitores no país, 5 milhões em Santa Catarina. São 500 mil urnas no país, 19 mil em Santa Catarina. Mas também pelos desafios que elas nos trazem. Por exemplo, as questões envolvendo as fake news versus as true news. As questões envolvendo os financiamentos da campanha, o voto impresso. Todas situações novas que nós ainda não temos a dimensão exata e por isso temos que nos aperfeiçoar para poder melhorar nossa efetividade.
As eleições municipais de 2016 já foram realizadas sob a legislação que encurtou os prazos de campanha, de horário eleitoral e, consequentemente, o tempo para a Justiça Eleitoral analisar os registros de candidatura. Mas a eleição estadual tem outro tamanho. Vai dar tempo de analisar tudo?
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Tem um prazo para isso, um cronograma estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isso, estamos preparados. O TRE está bem aparelhado, os juízes e assessorias também estão preparados. Dentro do cronograma, vamos honrar os compromissos.
Há alguma preocupação especial para evitar candidaturas sub judice por causa da Lei Ficha Limpa, impedir candidatos interditáveis concorrendo por todo o pleito, ou até mesmo casos, como já tivemos, de candidato eleito ser empossado e depois perder o mandato?
São casos concretos que poderão aparecer e nós vamos, na medida do possível, julgando e interpretando. Até o momento, evidentemente, não há nada. No momento em que se registrarem as candidaturas, vamos verificar todos esses detalhes.
Também não é a primeira eleição com financiamento empresarial proibida, 2016 já foi assim, mas a eleição municipal tem campanhas mais baratas. Há uma atenção específica este ano com possível caixa 2?
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Teremos todos os meios adequados para fiscalizar isso, por meio do nosso sistema. Mas é evidente que sempre encontramos desafios em torno desse controle. Sempre a malandragem está na frente da legalidade. Então, nós temos que correr atrás para pelo menos minimizar os efeitos de um caixa 2 ou de um desvio.
O que a experiência da eleição de 2016 sem doações privadas traz para esta? A pulverização de doações em pessoas físicas melhorou ou dificultou o controle de irregularidades?
Melhorou, na medida que nós podemos, por meio do CPF, fazer o cruzamento de dados e resgatar a origem desse dinheiro investido na campanha.
Temos uma ferramenta nova nesta eleição que é a vaquinha ou crowdfunding. O eleitor pode se sentir seguro em fazer essa doação pela internet a seu candidato ou é melhor seguir o método antigo de doação, procurando o candidato, passando um cheque etc?
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Esse é um outro desafio. Por essa novidade, inclusive os pré-candidatos já podem angariar seus fundos através dessas vaquinhas digitais. Está bem cruzado. Todas as informações estão bem cruzadas através do CPF, do sistema bancário, da Receita Federal, do Ministério Público Federal. Temos meios suficientes para interpretarmos bem e julgarmos essas contas.
É um meio mais simples para o eleitor ajudar seu candidato do que a doação tradicional?
Sem dúvida.
O TRE estimula que se faça, então?
Não que estimule, porque não podemos orientar. Mas é uma possibilidade legal e deve ser exercida. A empresa (que gerencia o crowdfunding) deverá ser registrada, ter certos requisitos pré-estabelecidos pelo TSE. Hoje, temos 33 empresas registradas para fazer essa arrecadação de fundos. Elas estão legalizadas e dentro dos parâmetros que o TSE exige. Então, por meio dessas empresas, é seguro, sim.
Como o senhor avalia o Fundo Eleitoral, que também estreia nesta eleição? Ele não contribui para perpetuar a mesma correlação de forças entre os partidos por distribuir os recursos levando em conta os resultados da eleição passada?
Essa é uma questão bem desafiadora do ponto de vista organizacional. Nós temos dificuldades nesse ínterim. É outro desafio. Não sabemos a dimensão que isso vai nos trazer. São fatos novos que estarão nos desafiando.
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O TRE tem meios de interferir caso partidos concentrem recursos em determinadas candidaturas, garantir que esse Fundo Eleitoral seja distribuído de forma democrática dentro das legendas para que esse poder não fique apenas nas mãos dos caciques?
É sempre importante frisar que nós não agimos por impulso. Agimos reativamente. Vamos agir de acordo com as representações do Ministério Público Eleitoral, dos cidadãos e dos partidos. Na medida em que vierem até nós, vamos julgá-las. É possível que tudo aconteça.
Outra novidade, falando ainda em Fundo Eleitoral, é a decisão do TSE de que 30% dos recursos sejam destinados a candidaturas de mulheres. O TRE também faz essa fiscalização, se provocado?
Se provocado, sim. Mas na verdade há um poder muito grande dos partidos políticos para distribuição desses valores. Cada candidato, cada partido, as agremiações, deverão fiscalizar essa distribuição. Por que estará a cargo dos partidos essa distribuição.
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Os próprios candidatos olhando se o correligionário está sendo beneficiado?
Exatamente. Vai ser um sistema interno de fiscalização. E se houver abuso, evidentemente, nós vamos ser acionados.
O senhor falou das fake news e vimos na paralisação dos caminhoneiros o quanto a disseminação de notícias falsas induz comportamentos, cria reações. Isso deve ser exacerbado no momento eleitoral. Como o TRE vai inibir isso?
Esse é um desafio. Não que o fake news seja novo. As notícias falsas, elas vêm de muito, inclusive em impressos. Mas, notadamente nas redes sociais, elas poderão ter um peso muito grande na desconstrução de candidaturas e no desequilíbrio do pleito eleitoral. Então, é em cima disso que o TRE vai atuar, desde que provocado, volto a dizer. O que estamos fazendo aqui para minimizar essa situação e tentar obstaculizar isso? Criamos o Comitê Consultivo da Internet. Ele fará estudos sobre informação do eleitor, dos candidatos e dos partidos políticos. E fornecerá subsídios para o julgamento dos juízes eleitorais. Esse comitê é composto por um juiz daqui, que será o coordenador, por técnicos do TI do tribunal, por membros da Polícia Civil especialistas em TI, membros da Superintendência da Polícia Federal e do Ministério Público Eleitoral. Esse comitê iria se reunir e definirá protocolos de investigação. Em cima desses protocolos nós vamos atuar.
O senhor vem repetindo que o TRE precisa ser provocado. Esse comitê pode provocar o tribunal na questão das fake news?
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Não, esse comitê trabalha para o tribunal, ele que provoca o comitê.
A denúncia chega e vocês remetem ao comitê?
Exatamente. Ele faz essa checagem da informação. Nós vamos estar sendo auxiliados também pelo TSE, pelo conselho consultivo da internet, estabelecido pelo ministro Luiz Fux, que foi a inspiração do nosso comitê. Ele inclusive contratou a empresa Lupa, que é uma empresa de fact cheking, que fará a verificação de conteúdos, desde que solicitado. O nosso comitê vai atuar em consonância com o conselho.
Pensando em um eleitor que recebe pelo Whatsapp uma informação que julga ser falsa e quer denunciar. Qual o caminho?
Poderá denunciar a qualquer momento através do nosso portal, teremos mecanismos para isso, através da nossa corregedoria, da nossa ouvidoria. Ou por meio do Ministério Público Eleitoral, que terá um canal de comunicação especialmente para isso.
Será um cerco às fake news?
Sim, essa é a pretensão. Embora saibamos que toda essa maquinação na internet trabalha numa velocidade muito maior que a legislação e as decisões judiciais. Os tempos são diferentes, mas nós vamos cercar, sim. Vamos tentar de todas as formas coibir ou, na pior das hipóteses, diminuir essa diferença e evitar ao máximo algum prejuízo ou desequilíbrio.
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Já chegaram denúncias de fake news ao tribunal eleitoral?
Ainda não aportou aqui nenhuma representação. Aliás, já está ocorrendo a pré-campanha. Essa é uma das novidades desta eleição. O pré-candidato só não pode pedir voto. As doações via crowdfunding já estão ocorrendo, inclusive em Santa Catarina. Mas denúncia ainda não chegou.
Essa é outra consequência da legislação que encurtou a campanha oficial: uma longa pré-campanha, até exaustiva, sem definições. Como a Justiça Eleitoral se posiciona nessa indefinição? É mais difícil agir?
Não é que tem dificuldade. Poderemos agir assim que provocados. Até o momento não houve nenhuma provocação aqui em Santa Catarina porque o quadro está muito indefinido. Não existe definição de candidatos. Aliás, nem de pré-candidaturas. Essa situação é mais envolvente, no plano de pré-eleição, mas aqui no TRE ainda não aportou.
Talvez seja uma das eleições mais indefinidas da história de SC a tão pouco tempo das convenções. Como vocês da Justiça Eleitoral avaliam esse quadro?
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Somos meros observadores até o momento. Verificamos com certa apreensão, até porque em eleições passadas já se tinha esse conhecimento, se sabia quem era o pré-candidato. Até o momento existem poucos. Mas preocupação não há.
Não há um pouco de hipocrisia nessa legislação que diz que campanha são só aqueles dois meses e que o resto é pré-campanha, sendo que é tudo busca de voto?
Eu não sei quais os objetivos da criação desse sistema como um todo ou a quem atende. Prefiro não emitir um juízo de valor a respeito. Até tenho, particularmente, mas falar pelo Tribunal Regional Eleitoral nesse sentido fica uma situação mais complicada.
Alguns casos derivados das delações da Operação Lava-Jato acabaram remetidos à Justiça Eleitoral. Foi assim, por exemplo, com o ex-governador Raimundo Colombo (PSD), e Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo. Isso foi avaliado como se fosse uma vitória deles, como se a Justiça Eleitoral fosse mais branda ou tivesse menos condições de aplicar punições caso os crimes apontados tenham acontecido. Como integrante da Justiça Eleitoral, como vê essa avaliação que foi feita?
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Eu não vejo assim. Do ponto de vista técnico, a vitória poderia ser a possibilidade desses denunciados serem julgados com a possibilidade de recursos em mais instâncias. Com o foro privilegiado (STJ, para governadores, cargos que Colombo e Alckmin deixaram em abril), ele vai ser julgado lá e de lá não há mais possibilidade de recurso. Voltando para o primeira instância, para os advogados seria uma vitória.
Não respondem por corrupção, sendo tipificados como crime eleitoral, caixa 2.
Nesse aspecto, sim. Mas do ponto da Justiça Eleitoral, somos mero observadores. Não acho que a Justiça Eleitoral seja desprestigiada por causa disso.
Como o senhor vê a avaliação que muitos membros da classe política tentam aplicar de que o caixa 2 seria um crime menor?
Não é um crime menor, absolutamente. É um crime dos maiores. Na medida em que alguém desvia recursos, está prejudicando alguém. É um crime como qualquer outro.
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O TRE catarinense sempre foi inovador, pioneiro, inclusive na questão das urnas eletrônicas. Nas últimas eleições, não esteve entre as apurações mais rápidas. Isso é uma preocupação do tribunal?
Não, eu tenho dito desde o início, e o nosso tribunal pleno assim também entende, que não é a velocidade que vai nos dar alguma medalha ou algum louro a mais. Vai ser a eficiência, a transparência e a eficácia das eleições. Nós não iremos nos preocupar com a velocidade da divulgação das informações. Essa é uma medida que não nos preocupa, muito pelo contrário. Mesmo que a gente demore mais, vamos ter um eleição segura e eficiente.
A adoção do voto impresso preocupa?
Preocupa, porque é uma novidade, um dos grandes desafios. Nós ainda não tivemos oportunidade de testar esse mecanismo. É um mecanismo eletromecânico que vai ser acoplado à urna eletrônica. Não conseguimos ainda testá-lo e muito menos capacitar os funcionários para esse fim. É uma licitação que foi determinada há um mês. Ele vai ser implantado gradativamente no país porque não há orçamento para implementação total. São 500 mil urnas eletrônicas, 19 mil em Santa Catarina. Precisaria ter o mesmo número de equipamentos para serem acoplados. Por força do déficit orçamentário, o TSE vai investir em 30 mil urnas para o país todo e para Santa Catarina virão 787. Vamos ainda determinar, já está em estudo, quais serão as zonas eleitorais em que serão instalados esse mecanismo do voto impresso.
Existem muitas críticas ao sistema eletrônico pela dificuldade de recontagem de votos e muita gente duvida da inviolabilidade da urna. Existe a necessidade do voto impresso para acabar com esses questionamentos?
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Eu acredito que não. É uma opinião do presidente do TRE/SC, uma opinião pessoal. Nós temos elementos suficientes para dizer que o sistema eletrônico brasileiro foi construído de uma forma eficaz, segura e absolutamente confiável.
Como levar essa confiança a esse eleitor desconfiado?
Informando a ele o que está acontecendo. Quem desconfia, não conhece. Você só pode criticar alguma coisa quando você conhece. Não pode criticar por aparência, por ouvir dizer. Nós estamos sofrendo muita fake news aí também. O tribunal está sofrendo fake news em cima do sistema eletrônico. Existem muitos mitos. Essas inverdades precisam ser desmistificadas para que o eleitor saiba o que ocorre. Saiba como funciona o sistema, que é absolutamente seguro. É um sistema fechado, não é aberto à internet. Ele sofre muitos ataques que não conseguem ultrapassar os bloqueios. Existem vários testes que são feitos. OAB, Ministério Público, os partidos políticos, enfim, a sociedade em geral. Existem audiências públicas, testes sendo feitos. Uma questão, é importante que se diga, são quase 20 anos de eleições informatizadas no país e não houve uma prova de fraude eleitoral.
Ao contrário da urna manual…
Exatamente. A eleição em papel, por ser manipulável, não precisa de muita inteligência para fraudar. A eletrônica precisa. Precisa ser muito inteligente e mesmo assim furar os cercos que são invencíveis na nossa visão.
Tem um suplente de deputado estadual no Sul do Estado que até hoje lamenta uma urna que quebrou em Içara e teve os votos perdidos em 2014. Esse episódio traz alguma precaução diferente para que não se repita?
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A cada eleição aperfeiçoamos o sistema. Todos os fatos que ocorreram no passado foram vencidos pelo aperfeiçoamento eletrônico, do aperfeiçoamento dos nossos técnicos e do software. O que já aconteceu foi corrigido. Poderá, eventualmente, são máquinas, acontecer alguma situação nova. Mas aquilo que aconteceu não vai se repetir.
Confira a entrevista em vídeo:
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