O jornalista americano Jon Lee Anderson, 55 anos, autor da mais famosa biografia de Ernesto Che Guevara, detalhou a ZH, por telefone, o que liga a Crise dos Mísseis a eventos como o golpe militar no Brasil, um ano e meio depois. Anderson sustenta que tanto Che quanto Fidel Castro queriam a retirada dos mísseis. Leia trechos:

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Zero Hora – A crise dos mísseis foi o momento em que o mundo esteve mais próximo de terminar?

Jon Lee Anderson – Sim, parece que sim. Ocorreu apenas 17 anos depois da II Guerra Mundial, a eclosão mais apocalíptica da História. O surgimento de figuras como Che e Fidel, na América Latina, ocorreu com essa visão apocalíptica. O mundo estava crispado. Os anos 60 têm como fundo o Holocausto. Tanto Che quanto Fidel queriam retirar os mísseis. Che, em negociações prévias, questionou que se fizesse tudo em sigilo e não esteve de acordo quando os soviéticos lhe disseram que estaria tudo bem.

ZH – Fidel e Che queriam evitar a guerra?

Anderson – A princípio, sim. Mas logo as circunstâncias mudaram, com enfrentamentos e reações emotivas. Naquele momento, pensava-se que se podia decidir o destino do mundo. Depois, veio o sentimento de traição em relação aos soviéticos, que retiraram os mísseis sem consultar Cuba, em um acordo com os EUA. Sentiram que Cuba era apenas uma peça de tabuleiro, para os soviéticos. Naquele momento, deixou-se de lado a ilusão e se optou pelo pragmatismo.

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ZH – Houve mal-estar entre Cuba e a URSS?

Anderson – Sim, por um ano ou pouco mais.

ZH – Dá para dizer que é como um espelho, em que a mesma imagem aparece invertida? Houve a maior emaça nuclear e depois o esfriamento, na Guerra Fria?

Anderson – Sim, é uma boa figura. Ali, depois da tensão, começou a se olhar para a convivência e o controle armamentista.

ZH – E na América Latina? Cuba começou a exportar a revolução.

Anderson – Depois da crise, Cuba passou a auspiciar a revolução pela região, contrariando os Partidos Comunistas, alinhados com a URSS. Outro efeito da crise foi o assassinato de Kennedy. Ele estaria vivo se não fosse a crise. Não é coincidência ele ter sido morto logo depois, apesar de o motivo ser incerto, se por encomenda de grupos insatisfeitos da CIA ou da KGB.

ZH – Golpes militares que usaram essas revoluções como motivo são consequência também, a exemplo do brasileiro, em 1964?

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Anderson – Sim, isso é interessante. São também uma decorrência daquela crise.