Dividida em 533 páginas, a maior e mais significativa sentença de Santa Catarina revela os meandros da organização criminosa que aterrorizou a população em novembro de 2012 e fevereiro de 2013. O Primeiro Grupo Catarinense (PGC), reconhecido internamente por policiais, mas não assumido pelo governo do Estado até as duas ondas de ataques a ônibus e prédios públicos, é oficialmente decretado no documento publicado pela 3ª Vara Criminal de Blumenau como uma empresa criminosa.
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Com base no inquérito da Polícia Civil que indiciou 98 pessoas, a sentença descreve por escutas e depoimentos como o grupo se articula. Na denúncia do Ministério Público, fica evidenciada a divisão de tarefas na organização criminosa. A promotoria descreve a composição do primeiro e segundo ministérios, além de explicar o funcionamento deles e dos disciplinas – responsáveis pela organização da facção.
– Segundo o documento firmado quando da constituição da organização e que é destinado a todos os integrantes, o PGC se constitui em uma associação de pessoas para, dentre outras finalidades, praticar crimes. O vínculo entre os integrantes da facção criminosa é estável e duradouro – explica o MP na denúncia.
Atestando o que informou a promotoria, a Justiça traduz como a forma com que o PGC atua:
– Trata-se de grupo/bando organizado, estruturado de forma empresarial e composto, basicamente, por detentos e ex-detentos de estabelecimentos penais de Santa Catarina.
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A riqueza nas descrições do envolvimento com o grupo, principalmente das pessoas consideradas líderes da organização, chama atenção. Na sentença publicada na segunda-feira, a atuação dos 80 condenados é detalhada. Além das escutas telefônicas e depoimentos, a juíza usa muitas informações dadas por policiais civis responsáveis pelo inquérito que originou o processo judicial e pelos ex-integrantes da facção e delatores, Davi Schroeder, o Gângster, e Rudinei Ribeiro do Prado, o Derru. Este último era um dos 80 denunciados. Por ter colaborado com a Justiça, teve a pena de 16 anos e nove meses extinta.
Dentre as alegações para a condenação dos envolvidos, a juíza cita que embora não haja prova conclusiva quanto ao número de integrantes da facção, a quantidade “ultrapassa a casa dos quatro dígitos”.
O uso de menores para a prática de crimes, o comércio de drogas, o armamento pesado, o envolvimento de advogados, entre outras peculiaridades estão descritas na sentença. Confira os principais pontos da histórica decisão da Justiça catarinense.
1 – Principais líderes
A sentença descreve a atuação de cada um dos condenados. No caso dos principais líderes, há quantidades diferentes de provas contra eles. A sentença de Evandro Sérgio Silva, o Nego Evandro, um dos criadores do PGC, cita uma escuta em que o nome dele é citado como membro do Primeiro Ministério da facção. Além disso, os policiais civis que investigaram o caso e os ex-integrantes do PGC, Davi Schroeder, o Gângster, e Rudinei Ribeiro do Prado, o Derru, o apontaram como membro do grupo. Robson Vieira, o Robinho, tem situação parecida. Ele é citado em interceptações telefônicas como o disciplina Geral do Estado. Rodrigo de Oliveira, o Rodrigo da Pedra, tem contra ele escutas em que outros membros do PGC o citam como mandante dos ataques. As ordens teriam sido enviadas via Simone Saturnina, mulher de Rodrigo.
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2 – Envolvimento dos advogados
A denúncia do MP envolve cinco advogados entre os supostos integrantes da organização criminosa. Entretanto, apenas um foi condenado na sentença da juíza. Outras duas profissionais, Francine Bruggemann Wagner e Fernanda Fleck, foram absolvidas. Os casos de Simone Gonçalves Vissotto e João de Souza Barros Filho continuam sendo analisados pela Justiça. O único a ser condenado é Gustavo Gasparino Becker. Ele terá de cumprir 7 anos e 6 meses de prisão em regime semiaberto. Na descrição do envolvimento de Becker no caso, a sentença aponta: “É membro do grupo criminoso”.
Segundo o depoimento de uma das testemunhas, os advogados faziam a comunicação entre a ruas e as unidades prisionais.
– Mais precisamente, levam informações/determinações e mesmo regulamentações que devem ser cumpridas pelos membros da facção que estão em liberdade. A investigação, outrossim, indicou também que os profissionais do Direito, por ordem de membros da agremiação, transportam valores/dinheiro para outros membros – descreve um trecho da sentença.
3 – Família Saturnino
Simone Saturnino, uma das rés do processo é companheira de Rodrigo da Pedra, um dos principais líderes do 1o Ministério do PGC. Além deles dois, foram condenados Rogério Saturnino, Maycon Saturnino e Cleusa Saturnino. Os dois primeiros são os irmãos e a última a mãe de Simone. Na sentença, a juíza afirma que não resta dúvida de que “a família Saturnino está firmemente ligada ao PGC”.
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– Inclusive porque Simone, filha da ré Cleusa, é esposa do também réu Rodrigo de Oliveira, vulgo Rodrigo da Pedra, atualmente um dos integrantes da cúpula da organização criminosa.
Durante a semana, o advogado de Rodrigo da Pedra e da família Saturnino, Francisco Ferreira, afirmou que a sentença foi “circense de terceira categoria”. Ele diz que pretende recorrer da decisão.
4 – Adolescentes na linha de frente
Os materiais que embasam a decisão deixam evidenciada a participação de adolescentes no PGC. Em mensagens trocadas entre membros da facção, há pedidos para que menores coloquem fogo em viaturas e ônibus.
Outro trecho da justificativa da magistrada na sentença cita o envolvimento de adolescentes na venda de drogas no Morro do Horácio, em Florianópolis.
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– Soma-se a isso, o fato de o crime praticado envolver crianças e adolescentes, pois cediço que os menores são utilizados não só para “fazer o corre” (efetuar a distribuição da droga no varejo, por exemplo), mas também como “olheiros do tráfico”, informando aos traficantes quanto a movimentação da polícia nos locais de venda ou em suas proximidades.
5 – Crimes praticados
Dos denunciados, os que foram condenados, na sua totalidade, vão responder pelo crime de associação criminosa. Além disso, a grande maioria também foi condenada pelo crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico, com agravantes para quem cometeu estes crimes em unidades prisionais, aos que praticaram o crime com grave ameaça e os que tiveram caracterizado o envolvimento no tráfico entre estados da Federação. Algumas penas foram aumentadas pelos dispositivos na lei que preveem acréscimo de tempo para os reincidentes e os que promoveram ou organizaram cooperação no crime.
A “facção mais temida do Estado”, como cita a juíza em meio à sentença, tem atribuída a ela pelo documento o comércio de drogas como crack, maconha, cocaína, lança perfume, LSD e ecstasy. Os antecedentes dos denunciados revelam que 25 deles eram reincidentes em tráfico de drogas e 41 por roubo. Segundo a denúncia do promotor de Blumenau, Flávio Duarte de Souza, “as conversas telefônicas mantidas por alguns dos denunciados revelam que efetivamente o tráfico de drogas é um dos pilares de sustentação do esquema criminoso”.
6 – Morro do Horácio
O Morro do Horácio, em Florianópolis, foi descrito com um dos locais em que a “empresa criminosa” se estabeleceu. Segundo a sentença da juíza, o grupo utiliza-se de armamento pesado visando silenciar a comunidade:
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– Fazendo com que a população de bem (de regra trabalhadores de baixa renda) viva em constante medo, temendo o futuro de suas crianças (não raro requisitadas pelo tráfico em períodos em que se seus pais se encontram fora de casa, trabalhando) – discorreu.
7 – Com outras organizações
A ligação do PGC com o Comando Vermelho, revelada com exclusividade pelo DC na série de reportagens Máfia das Cadeias, em 2013, é atestada na sentença. Uma das testemunhas ouvidas na audiência ocorrida em setembro do ano passado em Itajaí afirmou que as armas da facção eram escondidas nos morros e adquiridas do Comando Vermelho (CV), facção criminosa carioca. A mesma testemunha relatou que “existe uma conexão entre o PGC e o Comando Vermelho, pelo qual este fornece não só armas, mas também drogas ao congênere catarinense, o que demonstra o poder de atuação do grupo”.
Uma escuta interceptada por Simone Saturnino, mulher de Rodrigo da Pedra, membro do 1o Ministério do PGC, revela que o apoio para a facção catarinense veio do contato dos detentos em penitenciárias federais:
– O Rodrigo já teve conhecimento com o pessoal do Rio. Foi onde eles foram pra Federal lá de Campo Grande e conseguiram apoio do pessoal do Rio (CV)! E agora se mandarem o Rodrigo pra outro lado, vai conseguir apoio de gente mais poderosa do que eles! – diz Simone para a amiga.
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Em trecho da sentença, a juíza fala também do envolvimento do PGC com o PCC, facção criminosa paulista:
– Com efeito, o bando é extremamente articulado e visa não só se expandir por todo Estado, como também realiza “convênios” com outras agremiações criminosas de renome (PCC e Comando Vermelho).