Marcavam sete e meia da noite no relógio quando Elaine* ouviu alguém bater palmas na frente de casa. Era fevereiro e o sol ainda raiava graças ao aval do horário de verão. O marido foi atender e, assim que abriu a porta, acabou surpreendido por um homem armado que o empurrou para dentro. A partir daí começou uma hora de tormento em que a mulher de 69 anos e o esposo, hoje falecido, ficaram sob a mira de um revólver e de dois homens enlouquecidos em busca de dinheiro. Beberam, comeram e vasculharam as roupas e a casa. Fugiram levando R$ 450 que estavam guardados e um automóvel Gol encontrado quatro dias depois, depenado, mas sem machucar o casal.
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– A gente sempre vê na televisão e fica pensando o que faria se fosse com a gente. Mas não tem o que fazer, apenas ficar quieto, mandar eles levarem o que quiserem e agradecer por nos deixarem a vida – conta a moradora do bairro Badenfurt.
A cinco quilômetros dali, janelas e portas de vidro sem cortina denunciam que a residência que até um mês atrás era o lar de um casal no bairro Itoupava Norte agora está vazia. Os vizinhos contam que eles decidiram se mudar depois de sofrer um assalto à luz do dia, em que dois homens entraram no local com uma faca para levar um celular. Na aparentemente tranquila Vila Itoupava, outra família ainda se recupera da dor de ter a casa invadida na semana passada, desta vez por quatro bandidos armados, que fugiram roubando uma moto, uma televisão, um home theater e um celular.
Por violarem um espaço em que as pessoas mais se consideram protegidas, roubos a residências como esses narrados acima costumam deixar sensação ainda maior de trauma e insegurança a quem é submetido a ameaças dentro do lar.
– A casa é o lugar da tua paz, é a base, a maior de todas as seguranças. Quando você se depara com um bandido dentro de casa, pode criar sérios problemas para a vida. Poucas situações são mais perigosas do ponto de vista da psicologia do que ser assaltado dentro de casa – afirma o psicólogo Claudemir Casarin, salientando que poucos passam por esse tipo de situação sem serem muito afetadas e outros têm consequências mais agudas, podendo abalar relações pessoais e necessitar até de terapia.
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Roubos a residências caíram 78%, diz Polícia Civil
Nas estatísticas da segurança pública, os assaltos a residências apresentam queda acentuada entre janeiro e agosto deste ano. Na Polícia Civil, foram registrados até agora nove roubos a residência, 78% a menos que os 41 deste mesmo período 2016. Os roubos de maneira geral também tiveram forte diminuição nos dados oficiais. Na Polícia Civil, a queda apontada é de 30% (312 casos este ano contra 449 do ano anterior). Segundo a Polícia Militar de Blumenau, até julho deste ano a cidade teve 398 ocorrências desse tipo, enquanto nesta época do passado já haviam sido contabilizados 724 casos – uma redução de 45%. Os dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina (SSP-SC) apontam 322 incidências e uma variação menor – 20,7% de baixa em comparação com os 406 registros do ano passado.
Para o delegado da Divisão de Investigações Criminais (DIC) da Polícia Civil de Blumenau, Egídio Maciel Ferrari, o reforço no efetivo policial com 15 novos agentes que chegaram no fim do ano passado e inclusive permitiram a recriação da divisão de investigação de roubos é o que está fazendo a diferença para a diminuição dos casos de roubo. O trabalho do grupo já resultou em 56 pessoas presas, 23 armas – 14 delas em apenas uma operação, envolvendo uma quadrilha que atuava no bairro da Velha – e 262 munições apreendidas de janeiro até agora. Segundo Ferrari, esses armamentos também têm forte relação com roubos e até homicídios.
– Tivemos mais de 70 inquéritos só relacionados a roubo neste ano. A maioria já está no fórum com identificação, tudo. Isso faz a diferença. Quantas mortes nós também não evitamos com essas 23 armas a menos em Blumenau – questiona.
*O nome é fictício, para preservar a identidade da vítima.
Crimes em residências perdem espaço para roubos de veículos
A diminuição das estatísticas de roubos a residência não significa necessariamente um fim da atividade criminosa dos indivíduos que cometem esses atos. O delegado da DIC, Egídio Maciel Ferrari, explica que muitos praticantes desses crimes migraram para outras práticas, como o furto de veículos, por exemplo.
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– Tivemos o relato de um menor que praticava este tipo de crime de que os roubos em residências dão mais trabalho, é preciso amarrar as vítimas, pode ter mais gente em casa, eles nunca sabem o que vão encontrar, se tem valor alto. Por isso muitos têm essa preferência à busca por veículos – esclarece o delegado, lembrando que a quadrilha que roubava caminhonetes de luxo, desarticulada em janeiro, muitas vezes invadia as residências apenas para levarem os veículos visados.
Os dados da Polícia Civil apontam que os roubos de carros também caíram, mas em proporção menor – 35% contra 78% dos assaltos a residências.
Sensação dos moradores e possíveis avanços
Na PM, a diminuição de roubos é atribuída a parcerias que aproximam a instituição da comunidade e ajudam a divulgar dicas de segurança aos moradores. Um exemplo disso é o projeto Rede de Vizinhos (veja mais abaixo). Os bons números também são associados ao trabalho de prevenção e repressão feito com operações de trânsito, Bike Patrulha e ações de saturação de policiamento em áreas de maior risco. Apesar disso, o próprio comandante alerta que o momento não deve fazer com que as pessoas relaxem nos cuidados tomados.
– Os roubos a residência não perderam espaço, eles continuam ocorrendo, mas de forma mais esparsa, com menos frequência – ressalta o tenente-coronel Jefferson Schmidt, comandante do batalhão da PM de Blumenau.
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A mesma cautela é pregada pelo vice-presidente da Associação dos Conselhos de Segurança Comunitária (Consegs), Osni Luiz Bahr. Apesar das estatísticas mais positivas, ele alerta que isso ainda não foi sentido na percepção da maioria dos moradores. A rapidez maior com que os crimes são divulgados em aplicativos de celular, na avaliação dele, contribui para que as pessoas se sintam mais inseguras com base na experiência sofrida por familiares ou conhecidos.
– Não só o roubo a residência, mas o aumento do tráfico, dos pequenos roubos de celulares, relógio e carteira na rua também causam essa insegurança – pontua.
Como solucionar esse problema e diminuir ainda mais a incidência desses roubos que, mesmo em queda, ainda tiram o sono de boa parte da população? A equação é complexa, frisa Bahr. Passa por maior escolarização da comunidade e uma responsabilidade maior para evitar o excesso de casos de perturbação ao sossego, que hoje segundo o comandante Schmidt chega a ser responsável por 13 ocorrências simultâneas e um consumo de energia policial que poderia ser aplicado em casos mais graves e ligados à criminalidade. É claro, também exige reforço policial – há turmas em formação na PM e na Polícia Civil e a cidade vive a expectativa de ser contemplada novamente, já que, apesar dos reforços do ano passado, ainda é a mais carente de efetivo entre as chamadas ¿capitais¿ das seis maiores regiões de Santa Catarina, segundo um estudo elaborado pela Associação Empresarial de Blumenau (Acib). Por fim, as soluções envolvem inclusive o sistema prisional, que muitas vezes não cumpre o papel de ressocializar os presos e permite que eles voltem a cometer crimes na população após o cumprimento das penas.
Rede de Vizinhos ajuda a fortalecer segurança
Moradores que recebem orientações em encontros com policiais e se comunicam ao primeiro sinal de pessoa ou movimentação suspeita na rua. Se alguém viaja, costuma avisar o vizinho de maior confiança, que fica mais atento à casa ao lado. Assim funciona o programa Rede de Vizinhos, parceria entre PM, Polícia Civil e Consegs, apontado como um dos fatores que ajudam a reduzir o número de crimes em residências em Blumenau. A iniciativa saltou de 80 para cerca de 200 ruas e, segundo o vice-presidente da Associação dos Consegs de Blumenau, Osni Luiz Bahr, aumentou a tranquilidade dos moradores nas vias em que foi implantado.
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– As pessoas se sentem mais seguras e passam a fazer parte do processo. Houve queda de crimes nessas vias, casos de recuperação de veículos. E só o fato de no início da rua haver uma placa indicando que os moradores daquela rua estão unidos e vigilantes já inibe o meliante que porventura queira agir ali – explica.
Três anos atrás, a Rua Carl Muller, no bairro Badenfurt, foi a primeira a aderir ao programa. Hoje o principal canal de comunicação é o Whatsapp, mas na época os moradores aderiram a apitos e buzinas de ar para literalmente fazer barulho e indicar aos vizinhos qualquer situação de perigo. Foi nesta mesma Rua Carl Müller que uma das moradoras passou pelos instantes de terror sob a mira de dois bandidos no ano passado. Mas de lá para cá, ela também aderiu ao programa e a via de aproximadamente 35 moradores não teve mais ocorrências de roubos.
– A Rede de Vizinhos ajudou muito na confiança entre os vizinhos, todos agora se conhecem e sabem quando tem pessoas ou alguma situação estranha acontecendo – conta a coordenadora do programa na rua, Dorilda Stedile.