Enxugar gelo é uma expressão comum entre os policiais quando se referem a prisões e solturas de criminosos. Com isso, revelam frustração frente a uma situação que também incomoda a sociedade – ver bandido no mesmo convívio social e reincidindo no crime. Também é bastante repetido o argumento que “a polícia prende e a Justiça solta”.

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– Vivemos em um país onde a norma é a liberdade, a prisão a exceção – pondera João Marcos Buch, juiz da Vara de Execução Criminal de Joinville.

Tecnicamente, explica o juiz, a polícia só pode prender uma pessoa em situação de flagrante ou por meio de ordem judicial. Mas ela só pode permanecer presa depois de ter sido condenada pelo Poder Judiciário. Isto após ser acusada, processada e ter apresentada a sua defesa. Por isso, a incoerência dos números: 40% dos 500 mil presos no país ainda não foram julgados.

– O Brasil adotou um dos princípios constitucionais, o da presunção da não-culpabilidade, conhecido como presunção da inocência – explica o magistrado, que nesta sexta-feira participou de um seminário, em Florianópolis, no qual o tema esteve em debate.

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Para o delegado Renato Hendges, titular da Divisão Anti-Sequestro da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil de Santa Catarina, o prende e solta vai aumentar.

– A tendência é soltar mais ainda devido às últimas alterações no Código de Processo Penal, que tratam da diminuição das penas e aumentaram os itens para que ocorra a prisão preventiva. Ou para que a pessoa seja mantida presa – diz.

A frase “a Justiça prende e a polícia solta” precisa ser contextualizada e não pode ser generalizada, observa o promotor Luz Fernando Fernandes Pacheco, da 36ª Promotoria de Justiça da Capital. Pacheco lembra que a lei 12.403/2011 foi editada para evitar o encarceramento do indiciado ou acusado antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória. A medida responde a uma das dificuldades do próprio Estado na construção de presídios e na manutenção dos presos.

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– E quantos mandados judiciais a polícia não pode cumprir? – questiona, reconhecendo muitas vezes por parte de dificuldades do próprio sistema.

Para o promotor, as investigações nem sempre ocorrem com a qualidade necessária e isso favorece a soltura de um criminoso. Pacheco explica que, para oferecer denúncia é necessário haver indícios de autoria e materialidade do crime. Mas nem sempre suficientes, pois muitas vezes o processo não mostra isso de forma consistente. Além disso, o sistema se depara com outra dificuldade:

– Muitas vezes, na frente das TVs, testemunhas apontam o autor de um crime. Mas negam isso em juízo, pois sabem que o Estado não vai garantir a sua segurança.

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Entrevista: Renato Hendges é delegado titular da Divisão Antissequestro da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil de Santa Catarina.

Diário Catarinense – No seu entendimento, o que faz a Justiça soltar os criminosos que a polícia prende?

Renato Hendges – Isso ocorre por causa das leis. A tendência é soltar mais ainda devido às últimas alterações no Código de Processo Penal, que tratam da diminuição das penas e aumentaram os itens para que ocorra a prisão preventiva. Ou para que a pessoa seja mantida presa.

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DC – Como policial, o senhor se sente frustrado em prender um criminoso e depois vê-lo solto?

Hendges – Não só eu, mas o povo também. Isso ocorre muito com menores de 18 anos. Isso frustra sim.

DC – O que motiva isso?

Hendges – A falta de condições nos presídios é um dos motivos. Existe a necessidade de esvaziar os presídios e isso fica claro: antes a fiança era estabelecida para crimes com penas de até dois anos de reclusão. Agora, é para quatro.

DC – O senhor concorda que existem inquéritos que chegam com problemas de apuração?

Hendges – A polícia faz inquérito e não pode inventar provas, tendo que respeitar o direito das pessoas. Mas tem uma dificuldade de toda ordem para obter dados, como ordem judicial para liberação do cadastro telefônico e imagens em um banco, por exemplo. Reconheço que em alguns casos podem existir eventual desleixos ou falhas. Mas a falta de recursos humanos é o principal. Temos hoje em Santa Catarina a mesma quantidade de policiais civis do ano de 1984.

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DC – O senhor acha que a lei beneficia o bandido?

Hendges – Tem a sensação de impunidade, pois são muitos os recursos disponíveis para a defesa e isso atrasa o julgamento. Temos casos de homicídios que levam 10 anos, 15 anos para serem julgados. Esgota-se o último recurso, e o criminoso fica solto durante todos esses anos.

Entrevista: João Marcos Buch, Juiz de Direito que atua na Vara de Execução Penal de Joinville, e um dos participantes do 1o Seminário Imprensa x Judiciário, sexta-feira, na em Florianópolis

Diário Catarinense – Por que a polícia prende e a Justiça solta?

João Marcos Buch – Porque cabe à polícia prender e cabe à Justiça soltar. Vivemos em um Estado democrático de Direito.

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DC – É sempre assim?

Buch – Nem sempre cabe à polícia prender, nem sempre cabe à Justiça soltar. Já houve casos em que a polícia solta e, quando o fato chega ao conhecimento do juiz, ele manda prender.

DC – Existem crimes que, mesmo com grande repercussão na mídia, o autor permanece em liberdade. A pressão não surte efeito?

Buch – A sociedade quer uma solução imediata, mas cabe à Justiça avaliar o processo e garantir o direito de defesa. Sabemos que existe um fascínio sobre a tragédia, e isso se percebe na audiência de determinados programas na mídia. Somos conscientes do descompasso entre o que a população deseja e a morosidade da Justiça. Mas não se pode ceder a pressões, e isso também vale para a polícia.

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DC – O que é levado em conta para que um criminoso fique em liberdade?

Buch- Tem a questão técnica, como não ter sido preso em flagrante, pagamento de fiança e a falta de elementos para indicar a autoria.

DC – É comum não ter elementos para indiciar?

Buch – Ocorre algumas vezes por deficiência das investigações, com falhas no decorrer do trabalho que leva em conta perícias. Acontece, ainda, de alguém dizer ter confessado mediante tortura. Não somos ingênuos de acreditar em todos esses argumentos, mas são situações que precisam ser levadas em conta.

DC – A legislação favorece o criminoso?

Buch – O Brasil adotou um dos princípios constitucionais, o da presunção da não-culpabilidade, conhecido como presunção da inocência. É a isso que devemos atentar diante de cada processo.

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