Se uma vida inteira não foi capaz de fazer Maria ler e escrever, foi o gesto do marido José, com quem viveu por 50 anos, que mudou tudo. Antes de morrer, há cinco anos, ele a olhou nos olhos e encarecidamente pediu:

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– Você tem muito conhecimento. Quero que coloque tudo no papel. Quero que você ganhe o mundo.

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Hoje, aos 73 anos, as mesmas mãos que, por três décadas, semearam terras em Rondônia, ergueram barracos e desafiaram onças empunhando facão, passam a ser o encaixe perfeito de um lápis comum. O desafio da agricultora Maria Moreira de Andrade agora é o papel, uma paixão antiga que, se não fosse pelo incentivo de José, ficaria esquecida.

E ela segue o pedido de José ao pé da letra. Agora, simplesmente brinca com as palavras como se as dominasse desde sempre. Cansada da realidade, Maria, que se autointitula “a sonhadora”, foi responsável em menos de dois anos pela escrita de mais de 200 poesias, a maioria usando como gancho de sua rica história de vida. Ela quer lançar todas em um livro, para que assim, talvez, ganhe o mundo. Exatamente como José queria.

A alfabetização

Para seguir com o seu plano adiante, Maria precisou entrar na escola. Inscreveu-se na Escola dos Jovens Adultos (EJA), no Centro. Mas, dividir espaço com adolescentes começou a dispersá-la, o que quase a fez desistir de tudo. Até que descobriu o Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI) da UFSC.

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Foto: Betina Humeres / Agência RBS

O NETI oferece o mesmo curso, porém para pessoas acima dos 50 anos. Seu método, segundo a professora Marilúcia dos Santos Marques, conta com um processo de aprendizado especializado.

– O tempo deles é outro, a vontade também – diz a professora.

Maria foi adiante e conquistou o certificado do ensino médio, agora planeja encarar o fundamental para poder tentar o vestibular. Sim, Maria quer entrar no curso de Letras da UFSC.

Marias do Brasil

A vontade de decifrar os códigos já vem de criança, quando via o seu pai escrever textos e transformá-los em poesia para músicas cantadas em forma de serenata para sua mãe. Maria ficava encantada. Ela quis estudar, mas casou-se cedo e precisou seguir o marido. Saíram de Criciúma, sua terra natal e foram para Roraima, no norte do país. Chegaram em uma terra de ninguém, com mato alto e com animais soltos em seu habitat natural, nos anos 70.

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– Quando a gente chegou lá não tinha nada. Construímos uma tenda de ripas e teto de folha de babaçu. Não tinha móveis, mas criamos alguns com varinha, varinha das árvores mesmo, e um fogão de barro. Eu levava meus filhos para escola de facão na cintura com medo da onça. Eu amava tudo aquilo – lembra.

Mas, durante esses anos de trabalho pesado, Maria lembra que, antes de dormir, seu marido pegava um livro qualquer e lia em voz alta para que ela escutasse.

– Eu gostava de deitar no seu peito e ficava sonhando com aquelas palavras. Em toda minha vida o meu marido me incentivou – diz.

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O marido de Maria, José Andrade, morreu após uma batalha contra um câncer de próstata. Vieram para Florianópolis atrás de mais recursos médicos. Mas, ele não resistiu, vindo a falecer aos 76 anos, em 2009.

A vida de Maria

Para garantir sua lucidez, Maria tem a atividades agendadas durante toda a semana. Nas segundas, ela participa de um coral, nas terças, quintas e sextas, continua no curso de ensino fundamental, enquanto não abrem vagas para o ensino médio. Nas quartas-feiras Maria exercita a memória, com uma terapeuta. Todos oferecidos no Neti. Nos fins de semana, Maria não larga suas folhas de papel e o lápis. Em uma bolsinha especial, ela os leva para a sua caminhada. A senhora anda do Córrego Grande, onde mora, até o trapiche da Beira-Mar, cerca de 13 quilômetros, ida e volta. Lá, ela senta em um banquinho e inspira-se com o mar para escrever suas poesias.

– Pois senão não atrofia tudo. Corpo e mente.

O curso

Para quem sempre quis estudar, mas, por medo ou vergonha, deixou o tempo passar, o NETI é a opção perfeita. Além da alfabetização, o núcleo oferece outros cursos, como informática e línguas, além de atividades diárias e grupos de encontro. As inscrições são gratuitas e são abertas sempre no início do semestre, juntamente com a grade das aulas da UFSC.

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Para mais informações ligue: (48) 3271-9445 ou (48) 3721-9909.

Atividades do NETI abertas ao público idoso

Cursos

– Especialização em Gerontologia

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– Formação de Monitores da Ação Gerontologia

– Cinedebate em Gerontologia

– Contadores de Histórias

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– Avós na Universidade

– Leitura e Escrita para Pessoas Idosas e Adultas

– Cursos de Línguas (Inglês, Espanhol, Francês, Italiano, Alemão e Esperanto)

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– Oficina de Auto Conhecimento

– Oficina de Informática

– Previdência e Cidadania

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Projetos

– Resgate Histórico do NETI

– Intercâmbio Comunitário em Gerontologia

– Resinificando a Arte no Envelhecer

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Grupos

– Apoio aos Portadores da Doença de Parkinson e seus Familiares

– Convivência 5 de Maio

– Canto de Vozes da Ilha e Seresta do CENETI

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– A Hora da História

– Teatral Chão de Estrelas

– Grupo de Encontro

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