Depois de semanas de tensão, começa a se desenhar uma aproximação entre republicanos e democratas para evitar uma situação que, de tão grave, é quase impensável: um calote na dívida dos Estados Unidos. No encontro de líderes dos dois partidos no Senado, nesta segunda-feira, surgiram sinais de que tentariam ao menos esticar por alguns meses o teto da dívida e acabar com a paralisação parcial do governo que já dura 15 dias.
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No início do mês, sem acordo à vista, o Departamento do Tesouro advertiu que, a partir de quinta-feira, não poderá cumprir todos seus compromissos. Na prática, não poderá emitir novos títulos que servem para adiar o vencimento de parcelas da dívida de quase US$ 17 trilhões – quase sete vezes mais do que toda a riqueza produzida no Brasil e maior até do que o Produto Interno Bruto dos EUA.
Um dos motivos para a disparada foi a crise de 2008: o governo criou vários estímulos, de ajuda a bancos a socorro a cidadãos sob risco de perder suas casas. Por vários anos, gastou mais do que arrecadou, acumulando déficits que tiveram de ser financiados com a emissão de títulos.
O mesmo ocorre no Brasil: quando alguém aplica em fundos de renda fixa, por exemplo, muitas vezes está emprestando dinheiro ao governo. Em troca, recebe juro, o pagamento por esse empréstimo. Se os Estados Unidos não puderem mais emitir títulos, deixarão os credores sem remuneração.
Veja os principais credores dos Estados Unidos:
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É difícil dimensionar impacto de deixar de honrar o débito
Mesmo especialistas têm dificuldades de mensurar o impacto de um possível calote. As projeções mais pessimistas são de que o país voltaria a entrar em recessão. Para pressionar, o presidente Barack Obama fez ontem uma frase de efeito:
– Enfrentamos um alto risco de não honrar as dívidas, o que tem um efeito potencialmente devastador na economia.
Sem parar de subir
A dívida pública americana avança sob qualquer partido, democrata ou republicano
Presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim afirmou que um calote dos Estados Unidos pode significar um “desastre” para países emergentes, em especial, com impacto também nas economias desenvolvidas. Depois de anos patinando, os EUA começavam a dar os primeiros sinais de uma recuperação consistente.
– A tendência é de que o Congresso chegue a um acordo. Causar um calote seria uma grande irresponsabilidade – avalia Geraldo Nagib Zahran Filho, cientista político da PUC de São Paulo.
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Com maioria entre os deputados, a oposição tenta condicionar o apoio ao governo a cortes no orçamento e ao adiamento da implantação do plano de saúde pública que marca a administração Obama.
– É uma contradição. Nas outras economias, quem impõe o limite de endividamento é o mercado internacional. Nos Estados Unidos, berço do liberalismo, onde a demanda do mercado é enorme, o Congresso coloca limites – afirma Antônio Correa de Lacerda, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Debate partidário está mais acirrado
O tamanho da dívida pública americana não é o único impasse no Congresso. Desde 1º de outubro, a falta de consenso dos parlamentares em torno da aprovação da lei orçamentária para os próximos 12 meses obrigou o governo a conter gastos, o que tem causado dores de cabeça em boa parte da população americana.
– As discussões são o ápice de um embate cada vez mais acirrado entre republicanos e democratas. Com a proximidade das eleições legislativas (em 2014), os partidos tendem a polarizar o discurso. A tendência é que cheguem a um grande acordo envolvendo os dois temas, orçamento e dívida – diz Geraldo Nagib Zahran Filho, cientista político da PUC de São Paulo.
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Enquanto os parlamentares divergem sobre os rumos do país, mais de 800 mil funcionários públicos federais que atuam em setores não essenciais estão sendo orientados a ficar em casa por tempo indeterminado, sem receber salários. Parques e pontos turísticos foram fechados causando manifestações ao redor do país. Os protestos foram convocados em meio à indignação de setores mais conservadores da sociedade com cenas de veteranos de guerra impedidos de visitar monumentos construídos em sua homenagem na capital americana.
– Com redes sociais, as críticas ficam muito mais intensas e velozes. Cada partido tenta agora tirar proveito da melhor maneira, acusando o outro lado de responsabilidade pela falta de avanço nas negociações – explica Antônio Correa de Lacerda, professor de economia da PUC-SP.
Possíveis efeitos
Impacto da falta de um acordo
Nos EUA
Aumento do desemprego
Fim de incentivos fiscais dado às indústrias pelo governo
Corte de verbas em programas sociais, como programa de saúde do governo, o Medicare
Recessão econômica
No Brasil
Redução das exportações para os Estados Unidos
Desvalorização do dólar
Queda na bolsa de valores
A dívida nos diferentes governos americanos
Reagan (1981-89)
Ao assumir o posto, o republicano Ronald Reagan encontrou um país com inflação e taxa de desemprego altos. O Federal Reserve (banco central americano, o Fed) aumentou a taxa de juro para dois dígitos e o governo cortou impostos federais. Mas a política de defesa resultou em expansão do gasto militar e da dívida pública.
Bush pai (1989-1993)
Os gastos militares continuaram avançando durante governo do republicano George Bush, quando operações militares foram conduzidas no Panamá e no Golfo Pérsico. Precisando combater uma dívida pública cada vez mais alta, Bush descumpriu uma promessa de campanha e autorizou aumento de impostos.
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Clinton (1993-2001)
Foi um dos períodos mais longos de expansão econômica americana em tempos de paz. Sob o democrata Bill Clinton, o país cresceu em ritmo mais acelerado do que a dívida – e o percentual da dívida sobre o PIB caiu. Nem as crises enfrentadas por México, Tailândia, Coreia do Sul, Rússia e Brasil atrapalharam o desempenho americano.
Bush filho (2001-2009)
Mesmo com os ataques do 11 de Setembro, a economia ganhou força com o mercado imobiliário, que mais tarde virou bolha, estourou e resultou na crise em 2008, cujos efeitos são sentidos até hoje. Com duas guerras, no Iraque e no Afeganistão, os gastos militares pressionaram a dívida durante o governo do republicano George Bush.
Obama (desde 2009)
Os efeitos da crise econômica levaram o democrata Barack Obama a elevar os gastos do governo, o que disparou a dívida pública. As medidas ajudaram a recuperar a economia e a taxa de desemprego caiu um pouco. Mas com os republicanos conquistando maioria no Congresso, o teto da dívida passou a ser tema de intensa disputa política.
*Com agências de notícias