Dilma Rousseff subiu a rampa do Palácio do Planalto em janeiro de 2011 consagrada como a primeira mulher da história do Brasil eleita à Presidência, rebatizada de mãe do PAC, a gerentona implacável com as artimanhas e a vagareza do setor público. A ungida por Luiz Inácio Lula da Silva. Cinco anos e quatro meses depois, todos os conceitos que a levaram a ter alta popularidade no início do primeiro mandato escorreram pelo ralo.

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Quarta-feira, os brasileiros verão o histórico dia em que o Senado deverá aprovar a admissibilidade do impeachment de Dilma, determinando seu afastamento do cargo por 180 dias e entregando o comando do país nas mãos do vice-presidente Michel Temer.

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Ela sai apontada pelos próprios aliados como politicamente inábil, chamuscada pelas denúncias feitas pelo agora ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) em delação premiada na Operação Lava-Jato, e com a economia do país em profunda crise. A presidente deixa o Planalto para ganhar um lugar nos anais da República ao lado de Fernando Collor, também destituído por impeachment em 1992.

O momento ainda marca a queda do PT, que chegou ao poder e promoveu reconhecidas transformações na área social. Houve momentos em que o partido flanava no apogeu:Lula registrou 80% de popularidade em 2010, enquanto o PT era apontado, à disparada, como a sigla preferida dos brasileiros. A oposição definhava. Depois de mais de 13 anos nas rédeas do país, a legenda líder da esquerda nacional sucumbe à corrupção, à Lava-Jato e ao naufrágio da política econômica.

Terça-feira, na véspera da votação do Senado que deverá afastar Dilma, havia um clima de aparente conformismo pelos corredores de carpete azul da Casa. Tudo muito diferente dos dias que antecederam o domingo, 17 de março, quando a Câmara aprovou a continuidade do processo. Naquela ocasião, o governo nutria esperança de vitória, falava em obter 200 votos para derrotar “o golpe”, Lula articulava dia e noite no bunker montado no hotel Royal Tulip. Desta vez, não. Em certos locais do Congresso, falava-se mais da cassação de Delcídio Amaral e do futuro político de Waldir Maranhão (PP-MA), o presidente interino da Câmara que tentou anular o impeachment e trazer o processo para ser votado novamente pelos deputados em um canetaço — revogado por ele próprio mais tarde.

— O impeachment é fato consumado, estamos apenas cumprindo formalidades. A convicção pessoal do voto se consolidou, e o apoio popular foi imbatível — analisou o senador Álvaro Dias (PV-PR).

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Correligionário de Michel Temer e um dos mais ferrenhos defensores do governo, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) asseverou que “há maioria” a favor da saída de Dilma. É por esse motivo que não se repete a luta pelo apoio de indecisos, como ocorreu na Câmara. A última trincheira do governo se tornou o Judiciário. Até mesmo os tribunais internacionais serão buscados e, terça-feira, a Advocacia-Geral da União impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o processo — não há previsão para que o relator designado, ministro Teori Zavascki, tome uma decisão.

— Espero que os tribunais sejam um refúgio mais seguro — confessou a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), aliada do governo.

Se entregaram os pontos para a votação de quarta-feira, que trata da admissibilidade do impeachment, os aliados de Dilma não deixam de acreditar que, na análise de mérito, prevista para setembro, poderão faltar à atual oposição os 54 votos necessários para confirmar definitivamente o afastamento da presidente. Vanessa admitiu que “eles ganham a admissibilidade com folga”, mas ponderou que, no mérito, “nós estamos mais perto dos 28 votos do que eles dos 54”.

— Daqui a dois meses, Temer terá cometido os mesmos erros da Dilma, mas multiplicados por 10. Vai cometer erros na política econômica. E aí poderá não ter os 54 votos, o que determinará o retorno de Dilma — disse Roberto Requião (PMDB-PR), crítico do “neoliberalismo”.

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O risco para essa tese é a possibilidade de a oposição alcançar os 54 votos já na sessão de quarta-feira, quando são exigidos 41 para admitir o processo e afastar a presidente temporariamente.

Ainda há dúvidas sobre os últimos atos de Dilma antes de deixar o Palácio do Planalto. O núcleo do governo e os parlamentares mais graduados não sabem se ela descerá a rampa ou se sairá por uma porta ao nível da avenida para encontrar apoiadores na Praça dos Três Poderes — a segunda hipótese é a mais provável.

— Ainda não sei do rito, mas sou contra descer a rampa. Isso sinaliza fim de mandato, fim de luta — avaliou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

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Outra incógnita é o papel de Lula. É incerta a presença em ato público para aninhar a afilhada política. Inflando a retórica da “resistência”, ocupações poderão ser feitas no Planalto — que está tomado por bandeiras de entidades ligadas ao PT — ou na Esplanada dos Ministérios.

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— Ela é ferrada, “gaúcha” que não arria, não. É muito firme e está consciente do seu papel — afirmou um político que esteve terça-feira em agenda oficial com Dilma, assegurando que a presidente mantém a altivez e a disposição de brigar pelo retorno ao cargo.

Ainda que indiretamente, a promessa é de que não haverá trégua a Temer e ao antigo aliado PMDB.

— Quero dizer a vocês que não estou cansada de lutar. Estou cansada é dos desleais e dos traidores — discursou Dilma terça-feira, na cerimônia de abertura da 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.

Depois do susto causado por Waldir Maranhão na segunda-feira, a véspera da votação do impeachment foi mais serena para Michel Temer. Ele almoçou em uma área dos fundos do Palácio do Jaburu, com vista para a piscina e o lago. Estava na companhia dos deputados Heráclito Fortes (PSB-PI), Raul Jungmann (PPS-PE), Osmar Terra (PMDB-RS), Baleia Rossi (PMDB-SP), Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE), José Carlos Aleluia (DEM-BA) e Marcus Pestana (PSDB-MG).

Ouviu aconselhamentos e, depois de idas e vindas, confirmou a intenção de fechar em 22 o número de ministérios do seu governo, 10 a menos do que o patamar atual. Apesar da redução, os políticos devem se sobrepor aos “notáveis”, uma promessa inicial de Temer para a composição da equipe.

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Em outro cômodo do Jaburu, em uma sala de refeição, almoçavam o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) e os futuros ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Henrique Meirelles, da Fazenda. Perondi se ofereceu para atuar na Câmara em favor da reforma da Previdência. Meirelles disse que iria precisar de apoio, mas se limitou a sorrir quando perguntado se venderá ações do BNDES em empresas privadas para cobrir o rombo fiscal. A outro interlocutor, negou a hipótese de usar as reservas internacionais do país.

A convicção das pessoas próximas a Temer é de que não haverá festa na posse. A previsão é de assumir a Presidência quinta-feira à tarde. É possível que seja publicada uma edição extra do Diário Oficial com a nomeação de ministros. Uma entrevista coletiva está nos planos de Temer. As primeiras medidas devem vir apenas na próxima semana.

O Brasil vai recomeçar mais uma vez. E o futuro é incerto.