Todos os assuntos de Floripa passaram pelo Senadinho nas últimas quatro décadas. Ontem, ele foi o assunto. A esquina que elegeu e expulsou políticos, acolheu e derrubou técnicos de Avaí e Figueirense, alimentou discussões e sediou até um incidente de repercussão nacional amanheceu mais silenciosa nesta sexta-feira.

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Do “Senadinho”, ficou só a placa. Abaixo dela, uma porta cerrada denunciava o fechamento de um dos pontos mais tradicionais da Capital – confirmando o que o jornalista Cacau Menezes informara, ao amanhecer, em sua coluna.

Ouça a reportagem de Juliana Gomes, ao vivo, no Direto da Redação:

Histórias do antigo Ponto Chic, que a consagração popular apelidou e depois rebatizou de Senadinho, pipocam ali mesmo, pelas memórias de quem faz da esquina Felipe Schmidt com Trajano um ponto diário de encontro. Desde os tempos em que o mar ficava pertinho e o café era muito mais do que um balcão.

— Faz parte de uma história. Aqui se decidia a política da cidade. Aqui aconteceu tudo – lembra o produtor teatral Valdir Dutra, 79 anos. – E foi aqui que o pau pegou. Fechou o pau nessa cidade.

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Dutra fala da “novembrada”, o famoso episódio de 30 de novembro de 1979, quando o então presidente João Figueiredo saiu do Palácio Cruz e Souza e decidiu experimentar o café mais popular da cidade, a despeito dos protestos organizados por estudantes. Resultado: discussão, confusão, protestos e prisões.

— O Ministro de Minas e Energia, César Cals, levou um peteleco na orelha, que por sinal era privilegiada, de um motorista de táxi, indignado com o aumento da gasolina – lembra o colunista político Moacir Pereira.

O jornalista esportivo Roberto Alves destila uma série de personagens do Senadinho, como Valter da Luz, dono da cafeteria entre 1968 e 1983, e Alcides Ferreira, que virou “senador” de tanto discutir política por ali.

— Ali nasceu o namoro de um grande cantor do passado, o Carlos Nobre, com a miss Santa Catarina. Foi ali dentro, o negócio ali esquentou, o namoro pegou fogo enquanto o pessoal tomava um café…. Foi ali que o pai do Cacau, o jornalista Manoel de Menezes, desfilou de carro aberto com a Marta Rocha. E o professor Edi Leopoldo Tremel criou uma espécie de troféu, o senatus populusque florianopolitanus, que dava anualmente para algumas pessoas. Tive o privilégio de receber – relembra Bob.

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No Debate Diário, Roberto Alves lembrou histórias marcantes do Senadinho. Ouça:

Das mesas e do balcão do Senadinho a manezada viu o mar ser afastado pelo aterro e a passagem de carros dar lugar ao calçadão. Uma mudança que abriu espaço para a Associação de Tranca do Ponto Chic, um grupo que se une nas mesas ao ar livre para jogar e, principalmente, conversar. Não foi diferente na sexta-feira, mesmo sem o café.

— Sempre frequentei, desde a minha juventude. Sinto bastante. O Senadinho é um local que faz parte da história da Ilha — lamenta Jocely Ferreira, 75 anos.

A turma ficou mais triste do que surpresa com o fim do Senadinho. O café, dizem, já não era mais o mesmo. O Senadinho foi diminuindo. Quando começou, ocupava toda a esquina da Felipe Schmidt com a Trajano.

De meados da década passada para cá, uma financeira passou a funcionar no ponto. Segundo os membros da associação, os argumentos de que o café naquela esquina era parte da história da cidade convenceram a empresa a sublocar apenas o balcão, onde funcionários de uma franquia de fast food passaram a servir café e petiscos. Agora, a financeira fechou. Levou com ela o que restava do Senadinho, pelo menos até que alguém se disponha a alugar o imóvel todo.

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— A cidade está se descaracterizando — lamenta Moacir Pereira.