*Por Adam Nossiter
Adam Nossiter, o chefe do escritório do "The New York Times" em Paris, se mudou para a cidade pela primeira vez aos três anos, quando seu pai, Bernard Nossiter, foi designado para cobrir a economia europeia pelo "The Washington Post". Ele voltou em 1983, em 1999 e depois em 2015, quando o "The Times" o enviou para lá. Pedimos a ele que compartilhasse seus pensamentos sobre uma Paris transformada pela pandemia.
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PARIS – Antes de Paris se tornar um parque temático para os ricos de todo o mundo, havia uma Paris mais antiga que conheci quando criança, onde cabeças de cavalo esculpidas anunciavam açougues e era mais provável encontrar uma céleri rémoulade na esquina do que bolsas de US$ 30 mil destinadas aos turistas.

Os ecos daquela Paris me voltaram à lembrança no último mês, quando o coronavírus atacou a cidade. É um paradoxo que as ruas vazias tenham tornado mais fácil imaginar Paris como um lugar onde as pessoas de fato moram do que apenas um destino poliglota para fazer compras e se divertir.

Milhares de parisienses ricos saíram da cidade. Pouco menos de um quarto das pessoas que estavam na capital francesa no momento do confinamento já saíram, segundo algumas estimativas. A Paris da década de 1960, muito mais diversificada economicamente, parece estar de volta. Ao redor de Montmartre, onde os trabalhadores ainda moram, os parisienses se empoleiram em suas janelas, cumprimentando uns aos outros e apenas olhando para fora; meu bairro, perto de Madeleine, por outro lado, entregue a lojas de luxo, está morto.
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A França registrou quase 22 mil mortes em decorrência do vírus, muito mais que a Alemanha, porém menos que a Itália ou a Espanha. As autoridades francesas intervieram mais cedo do que as italianas, mas havia muito menos leitos e exames de emergência prontos do que na Alemanha. A boa notícia, pelo menos por enquanto, é que o número de pacientes nos hospitais franceses vem caindo lentamente.
Existe o universo sombrio desses hospitais, mas há também o mundo novo e surpreendente fora deles.

Para aqueles que estão dispostos a enfrentar os postos de checagem da polícia, essa é uma chance notável de redescobrir Paris. Nos últimos dias, vi pela primeira vez – em um relacionamento com a França que existe há quase 60 anos – um epicentro do turismo de massa, a sedutora Place du Tertre, no topo de Montmartre. A pequena praça estava quase vazia, e um parisiense preocupado parou para perguntar se eu não estava me arriscando ao sair de casa de bicicleta.
Mas é tudo uma ilusão. Paris não é mais Paris sem seus jovens inteligentes conversando do lado de fora dos cafés agora fechados, assim como Nova York não é Nova York sem seus arranha-céus. Paris reduzida à sua essência arquitetônica é grandiosa, mas fria, um cartão-postal irreal.
No entanto, é também um teatro fértil para a imaginação.

À noite, ao correr pelas docas, meus poucos companheiros são os recém-encorajados ratos, uma dezena de moradores de rua resmungando e policiais parando pessoas que não têm o "documento de permissão" obrigatório do Ministério do Interior. Eles listam sete razões pré-aprovadas para poder estar na rua, incluindo compras de itens essenciais, consulta médica, trabalho – quando não for possível trabalhar remotamente – e exercício por uma hora em um raio de até um quilômetro da sua casa.
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Nas minhas incursões noturnas, os carros são raros. O silêncio é quebrado apenas por uma ou outra ambulância. Está tão quieto que é possível ouvir o grasnido dos patos no Sena, tão silencioso quanto qualquer cidade remota do interior em uma noite de domingo. Sem um único barco turístico, o rio está calmo como um lago.

Nessa Paris cenográfica, com os monumentos ainda brilhantemente iluminados, é fácil imaginar uma época antiga em que as ruas da cidade eram calmas: durante a ocupação alemã. As fotografias daquele período mostram ruas vazias, pedestres solitários e grandes monumentos assustadoramente fora de sincronia com a cidade humilhada. Como agora, filas de clientes carrancudos se estendem a partir das poucas lojas abertas.
Os franceses mais velhos são assombrados por esses ecos. Liguei para o escritor Philippe Labro, que fez a mesma comparação na outra semana no "Journal du Dimanche" e que viveu durante a ocupação quando ainda era criança. "Vivíamos permanentemente sob a iminência do perigo. Havia uma atmosfera de medo. E então as ruas ficaram vazias. Paris é a ocupação, sem os boches!", disse-me Labro, rindo, usando um termo pejorativo em francês para se referir aos alemães.

"Talvez as pessoas agora estejam redescobrindo quão precária é a existência", reforçou Labro, cujos pais esconderam judeus durante a guerra.
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Paris vive intimamente com suas lembranças da ocupação; somente nos últimos dias notei uma placa de um obscuro herói da resistência de 1942, não muito longe de onde moro. A agitação da calçada em tempos normais geralmente não permite esse tipo de contemplação no nível da rua.

"Nunca fomos tão livres quanto durante a ocupação alemã", escreveu Jean-Paul Sartre após a guerra. Ele quis dizer, grosso modo: nunca os parisienses, homens e mulheres franceses, foram forçados com tanta brutalidade a enfrentar, todos os dias, a questão fundamental da sobrevivência.
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