Curso de Direito da UFSC, aula de Sociologia. Em vez apresentar o texto obrigatório, pedi licença para ler um miniensaio que eu mesmo tinha escrito.

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Não lembro exatamente o que eu dizia. Sei que tinha a ver com má distribuição de renda, determinismo social e assim por diante. Quando terminei, a sala fez dois segundos de silêncio e então aplaudiu com fúria. Assim, cena de tribunal chavão de filme americano. A professora me perguntou se eu não considerava publicar aquilo em uma revista acadêmica.

Em casa, reli minha retórica e minhas palavras difíceis recentemente aprendidas. Era o pior texto que eu já tinha escrito. O mais charlatão, o mais disposto a inflar com eloquência o que eu não conseguia esmiuçar e informar. Constrangido, terminei o semestre de qualquer jeito e desisti do Direito. Um semestre depois, comecei Jornalismo. Para mim, fez bem. A primeira coisa que escutei do melhor professor é que minha opinião não interessava.

Daí a tristeza de perceber quanta gente segue escrevendo o mesmo texto e nunca repensou a própria retórica. Não digo isso mentalizando só advogados, mas também os próprios jornalistas (quando assumem colunas, como aqui) e palpiteiros obstinados de Facebook. Uma vez, um escritor disse que demorou para perceber que não sabia escrever, mas não podia parar porque já estava famoso demais. Isso explica quase todo opiniático: depois de muitos aplausos e likes, não se pode parar.

Por exemplo, o opiniático que aplica a tudo seu discurso de luau-ao-som-de-Pais-e-filhos-dos-nossos-17-anos: toda arte menor é linda, o bem é evidente, a meritocracia é uma lenda, as escolhas alheias são sempre condicionadas e o mal está concentrado no sujeito que frequenta o mesmo supermercado mas compra um vinho mais caro. Para que ninguém erre na identificação do Darth Vader, o texto quase sempre parte de um disparate dito por um Bolsonaro ou caricatura parecida.

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Para esses e outros opiniosos sugiro Como vencer um debate sem ter razão, de Schopenhauer, e ainda mais a introdução do livro, do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. Escreve Carvalho: “Ter invertido a hierarquia natural e justa, fazendo da opinião pública – rainha da tagarelice – o juiz da interioridade humana, é talvez o pecado original da cultura contemporânea, onde cada homem é obrigado, pela pressão exterior, a apagar de seu coração tudo aquilo que não seja confirmado pelo falatório dos vizinhos, até chegar à suma degradação de se ignorar por completo (?)”.

Em geral desistimos de “revelar algo da natureza e dos fatos”, usando as opiniões mais pelo “desejo egolátrico de impor preferências”. O livro de Schopenhauer, explica, é “uma galeria de maus exemplos que mostram no que resulta, em desonestidade e perversão, dar livre curso à paixão de persuadir”. Aliás, quanto menos seguros das nossas opiniões, mais dramatizamos em defesa delas.

Além disso: “A capacidade de argumentar, por necessária que seja nas circunstâncias práticas da vida intelectual, é habilidade menor e derivada em relação ao perceber e ao intuir”.

Temos argumentos mais sinceros, mas os perdemos. “Lemos” a verdade na nossa consciência íntima, mas “os usos do vocabulário comum, os esquemas argumentativos padronizados, as exigências da moda” e outros fatores “desfiguram e afastam” as palavras do significado originário.

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No caso de colunistas, acrescento um fator ainda pior: evitar ser opiniático é ter que pesquisar o quíntuplo e perder vários assuntos fáceis – além, claro, dos aplausos com fúria.