Desde que entrou em vigor, em 2006, a Lei Maria da Penha trata do assassinato de mulheres cometido por razões da condição de sexo feminino. Na entrevista a seguir, por telefone, Maria da Penha Maia Fernandes, a farmacêutica que lutou para que o seu agressor viesse a ser condenado, fala sobre a importância da lei no combate a violência contra a mulher.
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Apesar do reconhecimento internacional e do impacto que teve – em março foram relembrados os cinco anos da lei do feminicídio – Maria da Penha mostra preocupação com a falta de políticas públicas.
A entrevista foi feita antes de a pandemia do coronavírus chegar ao Brasil. Confira a seguir:
Na sua opinião, qual é o maior benefício que a lei tem trazido para o país?
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A lei conseguiu fazer com que o assunto da violência contra as mulheres seja discutido em todos os níveis da sociedade.
E qual o maior desafio que enfrentamos?
A lei só pode funcionar com políticas públicas. É preciso o compromisso dos gestores públicos, especialmente das cidades menores. Nós sabemos que é muito difícil as mulheres de pequenos municípios que sofrem violência doméstica procurarem uma delegacia de polícia. Por isso, é importante que as prefeituras tenham os centros de referência da mulher. É nesse espaço que através do apoio da equipe psicossocial e jurídica a mulher poderá decidir a forma de enfrentar a situação.
Há um notório conservadorismo por parte dos parlamentos atuais. A senhora não teme que isso possa significar um retrocesso na compreensão da legislação e criação de mecanismos eficazes para o cumprimento da lei?
Isso realmente está acontecendo. Assim como é fato que, mesmo com os avanços trazidos pela lei, o poder público central não está cumprindo com a sua parte, que é fazer investimentos em políticas públicas. Isso faz com que em algumas situações a lei pareça não existir.
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Como a senhora, que com luta pessoal inspirou a lei, se sente ao constatar isso?
É muito decepcionante. Especialmente porque temos uma lei considerada como uma das três melhores do mundo sobre violência contra a mulher. Sem política pública é uma situação frustrante.

A área social sofre as consequências do corte de verbas pelo governo federal. Como reagir?
Nós estamos observando que nas capitais dos estados, onde são oferecidos mais serviços, a violência vem diminuindo. O número de feminicídios aumentou, mas por causa de haver mais denúncias. No entanto, é preciso que nos municípios menores se tenham mais políticas de proteção.
Diante de feminicídios é comum se ouvir de especialistas que a morte poderia ter sido evitada. Quem está se omitindo: a mulher que não denuncia, a sociedade que segue o “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” ou o Estado, que não fortalece a lei?
Em alguns momentos temos um pouco de tudo. A imprensa tem feito o importante papel que é o de divulgar os números de feminicídios. É importante analisar se o assassinato ocorreu por medo da mulher em denunciar ou pela omissão das políticas, como a inexistência de um espaço para onde ela pudesse ser levada diante de ameaças. Existem números de telefones, como o 190 onde as pessoas podem denunciar, e o 180, que orienta as mulheres sobre como procurar ajuda.
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O aumento no número de feminicídios algumas vezes provoca desânimo entre as pessoas que lidam com o tema, como policiais, psicólogos, assistentes sociais, educadores. O que dizer para estas pessoas que estão na ponta do problema?
A gente entende as dificuldades, não podemos desanimar ou mesmo desistir. Temos uma lei muito boa. Onde há serviços que resultam de políticas públicas os feminicídios não aumentaram, isso nós do Instituto Maria da Penha estamos acompanhando.
Que mensagem a senhora deixa para aquelas mulheres que estão em pequenos municípios e que não sabem como agir diante de uma violência doméstica sofrida?
Tenho viajado pelo interior do Ceará e percebido que algumas mulheres se juntam mesmo não sendo da mesma cidade. Também é importante cobrar do gestor público para que o município ofereça serviços de atenção. O feminicídio não se encerra em si e os políticos precisam entender que crianças se tornam órfãos, e algumas ficam sozinhas, gerando ainda mais despesas. Mas é a vida e o direito da mulher que precisa ser defendido.
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