“Sem partidos” e “sem violência” foram os principais motes das manifestações de ontem. Claro que outros também se sobressaíam, caso de “exigimos escolas e hospitais no padrão FIFA”, mas naqueles dois estavam os que mais precisamos agora.
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Muitos se preocupam com os debates a seguir, em como transformar as reivindicações gerais em melhorias específicas. Não há uma liderança clara, tradicional, nas ruas. Isso fez com que o apresentador da rádio CBN perguntasse ao especialista em mídias sociais: “Então com quem os governantes podem dialogar?”. O especialista confessava não saber, dizia “eis a questão”.
A meu ver, a questão é que certos problemas brasileiros demandam menos diálogos entre lideranças e burocratas do que uma séria autocrítica desses últimos. À medida que um governo que esperava colher popularidade da Copa das Confederações e da Copa do Mundo surge com uma imagem tão negativa na mídia nacional e internacional, se depara com as manifestações mais impactantes no país desde 1992, um passo é dado para que se reavaliem estádios de custos escabrosos, PEC 37, salário de professor do Ensino Fundamental não equivalendo a 5% do salário de diversos cargos políticos, mobilidade urbana que se recusa a entrar no século 21 e assim por diante.
Nesse cenário, nada mais contraproducente que o anárquico de ocasião ou o partidário radical quebrando a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e incendiando carros; levantando a bandeira da sua sigla como se ela representasse a salvação; expulsando o Caco Barcellos, autor de Rota 66, de uma manifestação; ou acreditando que todos os grandes colunistas e jornais seriam a encarnação do tinhoso. (Sim, a “mídia tradicional” hesitou e demorou para perceber a dimensão dos protestos; não dá conta de cobrir sozinha algo dessa dimensão; tem figuras-chave que se recusam a aceitar que a história continua sendo feita; e ainda está atordoada com uma manifestação de características tão novas. Ainda assim, não é uma coisa só, e nas críticas a ela há um pouco de simplificações grosseiras e certo ressentimento com o conhecimento especializado.)
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“Sem partidos” e “sem violência” porque as manifestações acontecem em um contexto repleto de problemas, mas melhor que os anteriores, de ditadura e Collor. Sem partidos e sem violência porque a questão não é derrubar a república e reinventar a roda, mas amadurecer o país.
Outro dia, ouvi que um professor da UFSC em sala menosprezava os estados de bem-estar social europeus “por ainda serem capitalismo”. São países com itens como transporte público, assistência médica, distribuição de renda e outros a anos-luz dos nossos (sim, mesmo em crise ou estagnação econômica; a respeito, recomendo o livro recente O mal ronda a Terra, do historiador Tony Judt). Irmos às ruas para termos o melhor de cada um desses países é bem mais inteligente do que aquele sonoro mas infrutífero “Sou contra tudo isso que está aí” do velho Brizola.
“Sem partidos” e “sem violência” parece mostrar, enfim, que não suportamos a ineficiência dos governos, mas também não aprovamos quebradeiras românticas que, no fundo, revelam apenas impaciência e incapacidade de lidar com problemas reais. Por sorte, a maioria de nós está manifestando em paz, sabendo se informar e se aglutinar – a ponto de termos, na quinta-feira, protestos de brasileiros programados em várias cidades fora do país.
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Aqui em Florianópolis, nos vemos hoje, às 18h, e na quinta pela manhã.
Locais com protestos marcados nas redes sociais pelo mundo:
Visualizar Pelo mundo: grupos organizam protestos contra aumento das tarifas de ônibus no Brasil em um mapa maior