Uma rua sem CEP é como uma pessoa sem certidão de nascimento. Formalmente, as duas não são reconhecidas, embora fisicamente a existência delas seja incontestável. Centenas de ruas de Joinville não têm nome, portanto, não são identificadas com o código de endereçamento postal. O principal transtorno dos moradores é não receber correspondências e encomendas.

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Para os Correios, é ter prejuízo não conseguindo entregar 2,85% do volume diário de 35 mil cartas. Isso apenas no Centro de Distribuição Domiciliar (CDD) da zona Sul.

Com 26 anos de carreira e oito mordidas de cachorro, o gerente do CDD da Zona Sul, Marcos Paulo Romanovicz, garante que o maior desafio é entregar uma correspondência em ruas que não têm CEP.

A experiência do carteiro Valdecir Rosa beneficia quem mora em ruas não legalizadas. Faz parte da rotina dele realizar entregas em ruas sem nome e com numeração confusa. Ao entrar na rua João Militão de Moura, Valdecir faz um convite:

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_ Vamos ouvir os barulhos da cachorrada agora?

Os cães são os primeiros a recepcioná-lo. Quando parecia ter chegado ao final da rua, o carteiro entra em uma outra à direita, que os próprios moradores batizaram de João Militão de Moura.

Logo na esquina de entrada existe uma caixinha de correio marcando o número 41, que aparece duas vezes no que seria a “mesma” rua.

Essas são duas formas de driblar o fato de uma via não ter nome e, portanto, permanece sem CEP. Os números escritos nas casas ganham outros símbolos, como setas, por exemplo.

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Uma forma de se comunicar com os carteiros da região. Valdecir conhece o seu distrito e faz questão de entregar a correspondência em mãos.

_ A minha vem pela João Militão _ contou o soldador Edinelson Nogueira, que recebeu uma carta entregue por Valdecir no segundo nº 41 da rua.

A caixinha colocada na esquina é do soldador, casado com a dona de casa Claudia Nogueira.

_ Os outros mexem e as cartas acabam sumindo _ lamenta Claudia.

Quando as correspondências não chegam, eles vão direto aos Correios. O que pode acontecer com a mesma frequência em que Valdecir adoece ou troca de distrito para substituir um colega de férias, por exemplo. De acordo com o coordenador de atividades internas Marcus Vinícios Axt, o regimento interno dos Correios desobriga os carteiros de fazerem entregas em locais sem CEP ou com endereço incompleto.

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Se o carteiro não tem tanta experiência quanto Valdecir, pode não encontrar o destinatário.

_ Tem número, tem CEP, a gente entrega. Se não tem CEP, vai do conhecimento do carteiro. É um algo a mais que ele está fazendo. Se ele pegar férias, não acontece _ conclui Axt.

_ Dificilmente ele fica sem entregar uma carta, principalmente quando é social, de pessoa para pessoa _ garante Romanovicz, lembrando que esse tipo de correspondência é cada vez mais raro e completando:

_ Ele vai até o fim procurando o destinatário.

As 800 cartas dentro da bolsa de Valdecir, mesmo sem rumo, encontram destino certo.

A importância de um número

Um número trocado faz uma correspondência que deveria ir para o bairro Coqueiros, em Florianópolis, parar no Paranaguamirim, em Joinville. O CEP correto para uma das correspondências recebida pelo CDD da zona Sul deveria começar com o número 88, indicativo da capital do Estado. Mas constava 89 no envelope, o que fez a carta perder o rumo temporariamente e ser devolvida a outra unidade. Todas as correspondências que chegam a Santa Catarina passam por triagem na Capital, por meio do CEP.

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Toda cidade acima de 50 mil habitantes tem mais de um número de código postal. Cada casa numérica do CEP tem um significado no mapa. A primeira dupla indica a região. O primeiro trio traz a informação da cidade e do bairro, enquanto o segundo, depois do dígito, aponta a rua onde deve chegar a correspondência.

O número 89 indica a região de Joinville. Do 200 ao 239 estão numerados os bairros da cidade. As ruas são identificadas a partir dos últimos dígitos. O CDD da zona Sul, de acordo com o gerente, cuida de 50 distritos postais que abrangem 220 mil habitantes, cerca de 40% do volume de cartas de Joinville. Sem o CEP, a correspondência pode ir para o centro de distribuição errado.

Por isso, o trabalho de triagem das cartas é primordial para a entrega nas ruas. Os 61 carteiros da região Sul passam a manhã separando as correspondências que pertencem aos seus distritos. Das caixas que recebem cheias, cada envelope vai para o escaninho da sua rua. Somente depois é possível ordenar pelos números.

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À tarde, já com o material todo organizado, começam as entregas. Os endereços residenciais sem CEP, sem nome e com número incorreto, assim como a lateral da rua João Militão, também entram na triagem.

O problema só começa a se resolver depois que os Correios tomam conhecimento do nome da nova rua. Assim, começam os procedimentos internos para incluir as correspondências na entrega formal. De acordo com Marcos Paulo Romanovicz, esse processo de entrada no sistema de distritamento (SD) pode levar de um a dois anos.

Apenas 14 ruas novas em 2014

Joinville poderia nomear 98 ruas em 2014, mas apenas 14 foram “batizadas”. O processo até a numeração do CEP inicia-se com a indicação de ruas que podem ser nomeadas, feita pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento de Joinville (Ippuj). A Câmara de Vereadores de Joinville recebe a informação, que fica à disposição para que sejam elaborados projetos de lei nomeando logradouros novos.

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De a cordo com a coordenadora de geoinformação do Ippuj, Vivian Marques, existem 80 ruas que podem receber nome, mas o número de vias ainda não legalizadas chega a centenas. São, geralmente, áreas particulares sobre as quais o poder público não tem autonomia. Algumas ficam em terrenos de invasão.

Os projetos de lei seguem a lei nº 5230/05 e são sancionados pelo prefeito depois que o póprio Ippuj constata a inexistência de outra rua com a mesma denominação na cidade.