É preciso ter coragem para usar a bicicleta como meio de transporte em Florianópolis. Em uma cidade cortada por rodovias, onde os carros passam dos 80 km/h, pedalar, muitas vezes, é um risco. Com um trânsito caótico, a bike poderia ser uma opção rápida e econômica. As ciclovias existentes estão em más condições (esburacadas, com mato e mal sinalizadas) e ilhadas, sem conexão. Por isso, a malha cicloviária da capital catarinense pode ser chamada de "ciclo ilhas".
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Durante um ano, o repórter Marcus Bruno cruzou Florianópolis de bicicleta com uma câmera no capacete registrando todos os perigos das rotas ciclísticas e ouvindo seus usuários. O cenário é esse: crateras, carros estacionados, motoristas desrespeitando a preferencial, pedestres, lixo, postes no meio do caminho e, claro, trechos que terminam do nada.
A ciclovia da SC-405, entre os trevos da Seta e do Rio Tavares, no Sul da Ilha, é uma das mais precárias. Lá, encontramos um buraco tão grande que dentro dele tinha inclusive uma TV de tubo. Além disso, ela acaba abruptamente nas obras do elevado e retorna só depois.
Os moradores do leste contam com apenas uma ciclovia, da Rua Osni Ortiga. Ela é segura, separada da pista dos carros, mas foi construída com uma pavimentação para calçadas, e o mato está dominando. Já o norte é onde fica a SC-401, uma estrada mortal para os ciclistas: foram sete vidas ceifadas nessa estrada em 10 anos. As ciclovias da região central, por sua vez, estão boas, mas falta conscientização de motoristas e pedestres.
Vídeo mostra os desafios do ciclista em Florianópolis
Mapa das "Ciclo Ilhas" e ghost bikes de Florianópolis
A falta de estrutura e o desleixo das autoridades faz vítimas. No bairro Santa Mônica, justamente no trecho incompleto de ciclovia, morreu José Lentz Neto, de 60 anos, servidor da Udesc. Em agosto de 2012, ele pedalava de volta para casa após o último dia de trabalho antes da aposentadoria. Tinha feito cirurgia bariátrica há poucos meses e buscava uma vida saudável. Desde a tragédia, a filha dele, Amanda Lentz, de 31, evita passar no local do acidente, mas batalha junto à Câmara de Vereadores para que a ciclovia, quando inaugurada, leve o nome do pai. Hoje o projeto está com a prefeitura, aguardando aprovação do Ministério Público para que o Iguatemi comece as obras.
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Assim como o pai, Amanda também gostava de pedalar. Mas o trauma mudou a rotina da jovem.
– Adorava andar de bicicleta, mas sempre que eu queria sair, a mãe ficava apavorada, então eu evito e só ando na Beira Mar onde é seguro – diz.
A mesma mudança de comportamento teve a viúva do jornalista Roger Bittencourt, morto aos 49 anos, que , segundo autoridades da época, por um motorista embriagado numa manhã de domingo, em dezembro de 2015, quando pedalava na SC-401, em Jurerê. Karin Verbikas, de 51, que costumava correr no acostamento da mesma rodovia, hoje só pratica o esporte na Beira-Mar Norte. Ela também teve de assumir, às pressas, a empresa do marido.
Tanto Roger quanto o seu José se transformaram em duas das 14 ghost bikes (bicicletas pintadas de branco) instaladas em Florianópolis na última década, em uma homenagem póstuma a ciclistas mortos no trânsito. No entanto, ambos os símbolos foram roubados, situação que deixa a Karin e a Amanda ainda mais tristes.
Capital tem muitos projetos e poucas obras
O Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), autarquia ligada à prefeitura, admite que os últimos dois anos se resumiram à criação de projetos. Até há exceções, como a inauguração da ciclovia da Rua Padre Rohr, no bairro Sambaqui. Mas a realidade é que a ampliação do sistema cicloviário não esteve entre as prioridades do governo municipal.
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— A gente encontrou uma situação um tanto desoladora quanto à organização dos projetos. O Ipuf está sendo renovado com a entrada dos novos técnicos, então perdeu-se um pouco da continuidade. E muitas obras mais prioritárias e emergenciais, como postos de saúde e salas de aula, estavam pendentes e precisavam ser executadas pela prefeitura logo no início da gestão — afirma o arquiteto e urbanista Michel Mittmann, que atua na direção do Ipuf.
O instituto trabalha com a possibilidade de ampliar o espaço para bicicletas de 60% a 80% em Florianópolis até o fim da atual gestão. Mittmann trata o tema como uma "possível revolução" e reconhece que o objetivo é ousado, mas considera viável porque os projetos devem interligar as ciclovias já existentes.
O foco das ações nos próximos meses deve ser o Centro, já que é a região onde o número de viagens de automóvel é maior. Com mais ciclovias e ciclofaixas, o órgão espera que os moradores gradualmente optem pela bicicleta em detrimento do carro, principalmente em trajetos mais curtos, o que deve diminuir o congestionamento de veículos.
Dessa forma, a Rua Esteves Júnior pode receber ainda neste ano a pintura de uma ciclofaixa sobre o estacionamento lateral. A ação faz parte do projeto +Pedal, que tem como objetivo inserir a bicicleta como opção de transporte em locais que ainda não há sistema cicloviário. Para Michel Mittmann, a prioridade neste momento é ocupar os espaços de forma rápida.
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Outras três intervenções previstas para 2019 são consideradas pelo Ipuf como as mais expressivas do projeto. A Avenida Othon Gama D’Eça, no Centro, projeta uma ciclovia desde o acesso da Avenida Beira-Mar até a Rua Jerônimo Coelho. A Rodovia João Paulo deve ter a implantação de uma ciclorrota, com diminuição da velocidade para veículos e sinalização que as bicicletas estarão dividindo o espaço da pista. Já a Virgílio Várzea, no bairro Saco Grande, terá uma ciclorrota incluída na obra de reurbanização da rodovia.
Há expectativa que o morador e turista da Capital possa alugar as "magrelas" com o Floribike. O sistema de compartilhamento de bicicletas é discutido desde a década passada, teve duas licitações fracassadas e agora pode sair do papel. Desta vez a concorrência teve interessados, mas o resultado foi contestado e aguarda a manifestação dos envolvidos para o julgamento do recurso, o que deve adiar a implementação.
A previsão é que a partir do primeiro semestre de 2019 seja possível alugar bicicletas pelo aplicativo e utilizá-las por até duas horas pagando menos de R$ 10 por mês. Mas enquanto os projetos não forem implementados, esta continuará sendo uma realidade distante para os ciclistas que enfrentam diariamente os problemas de infraestrutura e perigos do trânsito em Florianópolis.
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